sexta-feira, 11 de março de 2016

Tratam-se de muitos disparates...

Hoje vamos tratar de desconstruir... algumas construções impessoais. Como vimos recentemente (aqui e aqui), o português é uma língua com predomínio sintático do sujeito, na medida em que é ele que determina a concordância verbal.

Exceto nas construções sem sujeito, também denominadas por construções impessoais. E como sempre, estas trazem alguns problemas, algumas complicações e, infelizmente, muitos erros. Já falámos do maior deles todos, relacionado com o verbo haver.

Recapitulando esse tema, o verbo haver, por ser impessoal, nunca pode ser conjugado no plural, porque os verbos só podem estar no plural se concordarem com um sujeito igualmente plural. Ora, se não há sujeito (ou se o sujeito é impessoal), não pode haver plural. O verbo haver, no seu uso tradicional, tem apenas uma conjugação possível para o Presente (), para o Pretérito Perfeito (houve), ou para o Imperfeito (havia).

"Tratam-se"de coisas nenhumas

Isto serve para outras expressões, mesmo que envolvam verbos que normalmente se conjugam com sujeitos. Uma delas, e que induz em erro muitos falantes constantemente, é a expressão "tratar-se de".

Claro que é possível dizer frases do tipo "A Maria trata do filho" (singular)" tal como podemos dizer "Os irmãos trataram do pai" (plural). Mas nesta frase há sujeitos (A Maria e Os irmãos). Quando usamos "trata-se de", não há sujeito à esquerda do verbo.

O sujeito é, pois, indeterminado, estando o verbo na terceira pessoa do singular (que, por assim dizer, é neutra). Sublinho: terceira pessoa do singular. Sempre. Significa isto que nunca há "tratam-se de", por muito que o que vem a seguir tenha sentido plural.

- Trata-se de um negócio de muitos milhões de euros.
- Trata-se de negócios de muitos milhões de euros.
- *Tratam-se de negócios de muitos milhões de euros.

Há uma explicação para isto? Talvez... A frase não tem um sujeito gramatical, mas, uma vez mais, o português é uma língua em que o sujeito gramatical tem uma profunda importância sintática na frase. E, tal como existem construções com sujeito à direita do verbo - e com concordância entre verbo e sujeito (como em Chegaram pessoas.) -, é possível que alguns falantes assumam a expressão nominal de sentido plural a seguir ao trata-se de como o sujeito lógico da frase. E daí fazerem a concordância com o verbo.

O português, devo dizer, permite outros tipos de construções impessoais. Mas isso fica para depois...





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