sexta-feira, 29 de abril de 2016

5 - Ratificar / Retificar

Esta é outra que os jornais teimam em usar mal. Um erro extremamente comum em texto jornalístico, por ambas as palavras serem bastante usadas, embora tenham significados completamente diferentes.

O facto de haver muitas palavras parecidas em português só significa que quem escreve tem de o fazer com cuidado e atenção. E, se estiver a escrever para muita gente, como acontece nos meios de comunicação, em blogs ou para a web em geral, convém que saiba exatamente o significado daquilo que diz/escreve.

Ora bem, assim sendo, para explicar este erro basta explicar o que cada palavra quer dizer.

O verbo ratificar significa "confirmar", "comprovar", e é sobretudo utilizado em contexto jurídico. Quando uma lei é "comprovada" por alguém, ela é ratificada. Também se podem ratificar outros tipos de documentos, naturalmente. Dito de forma leiga, ratificar é a forma de tornar oficial o documento ou a lei, ou seja o que for.

Por seu turno, retificar significa "corrigir". Assim, retifica-se um erro. Também se pode retificar uma lei ou qualquer documento, claro, mas isso é porque a lei estava errada, não é porque vai ser promulgada por quem quer que seja.

É certo que a nova ortografia não veio ajudar em nada, porque tornou a grafia dos dois verbos ainda mais semelhantes (já que caiu o c em rectificar). Mas não é desculpa!

Este é um erro clássico para fazer lembrar sempre a quem escreve: tenha sempre atenção!


quarta-feira, 27 de abril de 2016

4 - Em vez de / ao invés de

Felizmente, este não é dos mais comuns, mas ainda ocorre muitas vezes. É fácil, sobretudo, confundir estas expressões na oralidade. Aqui vale a pena ir ao dicionário para ver as diferenças. Então:

- Invés:
in·vés 
substantivo masculino de dois números
1. Lado oposto ao dianteiro. = AVESSO

ao invés (de)• Ao contráriocontrariamente (ex.: a vantagem destes materiaisao invés dos anterioresé a relação qualidade-preço).

"invés", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/inv%C3%A9s [consultado em 27-04-2016].

- Vez:
vez |ê| 
substantivo feminino
(...)
3. Ocasiãoturno.
4. Tempoépoca indeterminada.

(...)
em vez de• Em lugar de.

"vez", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/vez [consultado em 27-04-2016].

Só por estas palavrinhas, que constituem o núcleo das duas expressões lexicais confundidas, se percebe como têm significados diferentes. Em vez de e ao invés de são duas locuções adverbiais, que têm, então, propósitos distintos. 

A primeira relaciona-se com uma ideia de substituição: Em vez de ir à inspecção, comprei um carro novo. A segunda equivale a ao contrário de. Ora, não podemos dizer Ao contrário de ir à inspecção, comprei um carro novo, pois não?

Da mesma forma como não podemos dizer Em vez da irmã, o Rui gosta de estudar. Pelo contrário, dizemos Ao invés da irmã, o Rui gosta de estudar.



segunda-feira, 18 de abril de 2016

3 - Ir de encontro a / Ir ao encontro de

       - O jovem político vai de encontro aos objetivos do partido.

Quantas vezes encontramos frases destas nos meios de comunicação social? Muitas, certo? Provavelmente, tantas que nem percebemos exatamente o que lá está escrito. O Estudar a Língua dá uma ajudinha. Vejam o próximo exemplo.

     -  O esquilo foi ao encontro de um tronco e caiu.

Que tal parece? Mal, estranho, não é? Pois claro. E se dissermos que "o esquilo foi de encontro a um tronco e caiu"? Estão a começar a perceber a diferença, certo?

A palavra encontro, que é uma nominalização formada a partir do verbo encontrar, permite estas duas expressões, que têm sentidos e usos completamente diferentes, mas que pela sua relativa semelhança se confundem muitas vezes entre si.

Quando falamos em ir ao encontro de, referimo-nos a uma ideia de concordância de uma entidade em relação a outra. É, portanto, uma expressão de natureza psicológica. E, assim sendo, o primeiro exemplo apresentado neste post devia incluir esta expressão e não a que lá está.

       - O jovem político vai ao encontro dos objetivos do partido. = O jovem político partilha os mesmos objetivos do partido. = O jovem político concorda com os objetivos do partido.

Pelo contrário, quando falamos em ir de encontro a, aqui sim, referimo-nos à ideia de movimento físico. Logo, o esquilo não poderia ir ao encontro de um tronco mas sim ir de encontro a um tronco.

Lembrem-se: de a preposição a (contraída com o artigo definido o) vier primeiro, a ideia é de concordância; se vier primeiro a preposição de, falamos de movimento físico.


sexta-feira, 15 de abril de 2016

2 - Há / à / a

Este é um erro particularmente irritante. Em boa verdade, deve haver muito poucas coisas mais irritantes do que ler textos escritos por alguém que consegue confundir estas três pequenas partículas. Por diversas razões, mas sobretudo, porque é não é um erro de primária: é um erro de primeira classe. (ou de primeiro ano, para quem quiser).

Mas vamos lá então explicar as restantes razões. Em primeiro lugar, as três palavrinhas pertencem a classes diferentes.

- é uma forma verbal pertencente ao verbo haver. Se o leitor já souber isto, achará óbvio e pode passar à frente. Se não souber, repita 1000 vezes para si e não se volte a enganar. E acrescente que o verbo haver tem o mesmo significado de existir. Há, então, dois usos primordiais para o há: o primeiro está relacionado com a ideia de existência; o segundo com a ideia de tempo [passado].

           - Há um senhor que está ali doente. [ou seja, o senhor existe, está ali].
           - Há muito tempo; há um ano; há uma semana...

Se não for isto que quer dizer, não invente e deixe o "há" em paz.

À é uma contracção do artigo definido a com a preposição a. Recuemos, então: o artigo definido, que é variável em género e número, precede um nome (a Maria; a menina; a boneca) ou é o primeiro elemento de um sintagma nominal (a minha filha; a linda boneca). A preposição, como qualquer outra, é um elemento relacional, i.e., serve para ligar dois elementos numa mesma oração ou numa mesma frase, elementos esses que são dependentes entre si (vou a Lisboa; a uma semana da viagem, fiquei doente). Assim, usa-se a contracção à quando queremos dizer as duas coisas (artigo e preposição) ao mesmo tempo.

           - Vou à costureira. [Vou a(prep) a(art.) costureira]

Assim sendo, se por acaso costuma dizer algo do tipo "À dois anos", bata com a cabeça nas paredes umas quantas vezes para nunca mais se esquecer que, nesse caso, tem de usar .

- A distinção é bastante fácil e prende-se com o papel da preposição a. Quando usamos "há" sem ser com sentido de existência no momento da enunciação, esta forma verbal remete para o passado, daí expressões como há muito tempo atrás, etc. Pelo contrário, vimos num dos exemplos acima que a preposição a surge em construções com projeção de futuro (embora não seja ela que dá informação temporal de futuro, apenas significa que faz parte de uma construção frásica que tem essa leitura):

            - A uma semana da viagem, fiquei doente [falta uma semana para a viagem (futuro) e eu fiquei doente];
            - Vou a Lisboa [ainda não fui, logo irei no futuro; aqui, a preposição a pode ser substituída por até, por exemplo]

segunda-feira, 11 de abril de 2016

1 - O facto de o / o facto do

O novo ciclo de expressões lexicais utilizadas erradamente arranca com uma expressão que, arriscamos nós, aparece mais vezes escrita mal do que bem. Na verdade, há que admitir: em algumas destas expressões, é impossível fugir a certas questões gramaticais. Esta é uma delas.

Em primeiro lugar, para percebermos onde está o erro, temos de voltar às preposições. As preposições "de" e "em" têm uma propriedade que lhes permite contraírem com artigos, sejam definidos ou indefinidos, e ainda com pronomes pessoais.

Assim surgem "do", "da", "no", "na" e por aí fora. Foquemo-nos apenas na preposição "de". Esta contracção surge, por exemplo:

- para transmitir a ideia de posse (o carro do João; a bicicleta da Maria);
- para transmitir a ideia de origem (ele veio da cidade).

Muito diferente destes casos é a construção o facto de. A razão é simples. Enquanto o "de" que vimos acima está a introduzir complementos do nome anterior, este está a introduzir uma nova oração.

Sendo assim, as condições para uma contração da preposição com o artigo não existem, uma vez que a expressão seguinte funciona como sujeito da nova oração.

- O facto de ele estudar muito fez com que tivesse boas notas.
- *O facto dele estudar fez com que tivesse boas notas.

Outra expressão semelhante é antes de seguido de uma oraçãoem que aplicam exatamente as mesmas regras.

- Antes de ela entrar já eu tinha almoçado.
- *Antes dela entrar já eu tinha almoçado.

Por isso, lembrem-se: se virem a preposição de numa expressão lexical que introduza uma nova oração, não é possível vermos uma contração nem com artigos nem com pronomes.






domingo, 10 de abril de 2016

Novo ciclo: conheça os erros lexicais que nunca vai querer cometer



Hoje vamos sair do domínio da gramática e entrar no domínio do léxico. Quando falamos ou escrevemos, cruzamos inconscientemente várias áreas da língua. A gramática é uma delas, o léxico é outra. E há mais, como a fonética ou a pragmática, por exemplo.

Quando falamos em gramática, dito de uma forma básica e simplista, entramos no domínio das regras de construção frásica e da forma como combinam os constituintes de uma frase. Se falamos do léxico, estamos no domínio das palavras e das expressões que utilizamos todos os dias e que também são, obviamente, fundamentais para nos fazermos compreender.

Por isso, não convém cometer erros. Há por aí muitos sites e blogues que falam, de forma generalizada, em erros gramaticais quando estão a falar de expressões e de palavras. Mas muitos destes blogues não são escritos por especialistas da língua e podem muito bem induzir as pessoas em erro, apenas por porem tudo no mesmo saco. E mal. Quando nos referimos a erros no uso de palavras e expressões, não se trata de erros gramaticais, mas sim de erros lexicais.

E é por estes serem fundamentais e nem sempre estarem devidamente explicados que o Estudar a Língua se propõe a criar um novo ciclo de posts, em que vai explicar e corrigir, um a um, alguns dos maiores e mais comuns erros lexicais do português. Estejam atentos!


P.S. A lista que este espaço vai apresentar refere-se apenas ao português europeu, por uma simples razão. Muitos dos erros habitualmente apontados a falantes do português do Brasil, como confundir "mas" com "mais", por exemplo, surgem por questões relacionadas com a fonética ou com a pronunciação. Como aqui estamos no domínio do léxico, questões fonéticas e de pronunciação não serão tratadas.

domingo, 3 de abril de 2016

O que vai querer saber sobre os tempos do passado

Ontem escreveu-se aqui sobre o Presente do Indicativo, hoje abordam-se os dois principais tempos do  passado do modo Indicativo em português: o Pretérito Perfeito e o Imperfeito.

No post anterior, vimos a diferença entre estados e eventos - ou situações não-dinâmicas e situações dinâmicas. Nos tempos do passado, a sua influência difere.

O Pretérito Perfeito é, por excelência, um tempo verbal que dá, efetivamente, informação de tempo passado (anterior ao momento da enunciação). Isto tanto é válido para estados como para eventos.

- Eu comi uma maçã.
- Eu estive doente.

O primeiro exemplo é um evento; o segundo, um estado. Em ambos, temos a informação de que uma situação ocorreu - e terminou - antes do momento da enunciação. Aqui reside uma das maiores diferenças entre o Pretérito Perfeito e o Imperfeito do ponto de vista temporal: o Pretérito Perfeito é um tempo terminativo, ou seja, dá informação de que a situação foi concluída no passado.

O Imperfeito, pelo contrário, nem sempre dá a informação de que a situação está concluída. O exemplo que se segue, retirado da Gramática da Língua Portuguesa (2003), demonstra isso mesmo:

- A Maria lia o jornal quando a Joana chegou.

Por esta frase, não conseguimos perceber quando a situação "a Maria ler o jornal" terminou. Isto tem uma outra consequência: ao não dar informação nem sobre o início nem sobre o fim das situações. o Imperfeito parece ter a propriedade de "alargar" as situações, isto é, de as fazer parecer mais duradouras.

No exemplo acima, dá a ideia de que a Maria esteve a ler o jornal durante algum tempo - indefinido - no passado.

O Imperfeito de cortesia e o Imperfeito no futuro

No post que anunciou o tema da semana, referiu-se o Imperfeito como o tempo verbal que mais usos tem. É que, na verdade, nem sempre o Imperfeito é usado como um tempo do passado. Na verdade, há situações em que nem tem sequer informação de tempo.

É o caso do Imperfeito de cortesia, de que já aqui falámos. Quando vamos ao café e dizemos "queria um café", estamos a usar este tempo verbal apenas porque parece mais educado do que dizer "quero um café", que soa mais como uma ordem do que um pedido.

Estranhamente, o Imperfeito também pode ter uma projeção de futuro, seja em frases condicionais ou em frases com adverbiais como amanhã, que dão essa leitura temporal.

- Se a Rita chegasse a tempo, íamos ao concerto.
- Amanhã ia falar consigo ao escritório.*




* Exemplos retirados da Gramática da Língua Portuguesa (2003)

sexta-feira, 1 de abril de 2016

O que vai querer saber sobre o Presente

Ora, retomando o tema da semana, os tempos verbais, é hora de falar do presente. Como foi escrito no artigo anterior, o Presente do Indicativo raramente é usado para expressar o momento presente, o agora, doravante aqui chamado de momento da enunciação.

Isto significa que este tempo verbal nem sempre possui, na verdade, informação temporal. Eis um exemplo:

- Eu como uma maçã.
- Eu estou a comer uma maçã.

Qual destas frases é que usariam se estivessem, no momento da enunciação, a comer uma maçã? A segunda, pois claro, que está na forma progressiva. Isto acontece porque o Presente do Indicativo, nesta frase em particular, não tem grande informação de tempo. Para percebemos a razão para esta leitura, temos de perceber que há dois tipos de situações: situações dinâmicas (comer, correr, fazer, nascer, etc.) e situações não-dinâmicas (estar, ser). Às situações dinâmicas vamos chamar de eventos e às não-dinâmicas, estados.

Então, quando dizemos "eu como uma maçã", que é um evento, estamos a dizer exatamente o quê? Uma locução adverbial pode ajudar a explicar:

- Eu como uma maçã todos os dias.

Uma frase destas significa que estamos a falar de um hábito, de comer uma maçã todos os dias. Claro que o adverbial ajuda a reforçar a leitura, mas o que acontece é que quando usamos o Presente do Indicativo com eventos, o tempo verbal não dá informação temporal. Pelo contrário, dá uma leitura de habitualidade. Outro exemplo:

- Ele tocou piano como só ele o faz [habitualmente].

Pelo contrário, se o Presente do Indicativo for usado com um estado, então aí sim, dá informação de tempo presente:

- Eu estou [agora mesmo] em Londres.

Há, como sempre, alguns casos excecionais, em que o Presente pode dar informação de tempo presente com eventos. Mas são mesmo muito raros. Um exemplo que os gramáticos costumam dar é o dos relatos de futebol em direto.

- Messi recebe a bola... chuta... e marca golo [neste preciso momento].

Presente projetado para o futuro

Estes são os dois usos prototípicos deste tempo verbal. Mas também o podemos encontrar em frases com uma leitura de futuro, embora não seja o tempo verbal em si que dê essa informação. Como por exemplo:

- Chove amanhã.

Esta leitura é reforçada com a estrutura ir no Presente do Indicativo + verbo principal no infinitivo. Se, no exemplo, anterior, a leitura de futuro é sobretudo dada pelo adverbial "amanhã", uma frase do tipo "Vai chover" não precisa de adverbial para percebermos que se trata de uma frase com leitura de futuro.

E, para não complicar, por hoje é tudo. Amanhã haverá mais, sobre outro tempo verbal. Fiquem atentos!