terça-feira, 31 de maio de 2016

O erro mais irritante de todos

aqui falámos sobre o maior erro de todos, que é não dar importância à forma como se escreve. Depois há erros propriamente ditos, uns mais irritantes do que outros, dependendo da opinião dos falantes, claro.

Esta é a nossa opinião. De um ponto de vista técnico, não há erro pior, que soe pior, que retire mais credibilidade a alguém. Quando este erro é apanhado, a pessoa que o cometeu vai passar por alguém que andou pouco tempo na escola (se algum) ou que, no tempo em que lá esteve, não prestou grande atenção.

Sem mais demoras, ei-lo: ha-des. Além de constituir um valente pontapé na boa formação de palavras, esta... coisa (palavra não é certamente), mostra uma de duas coisas: ou um profundo desconhecimento sobre a formação de palavras em português, ou uma profunda falta de cuidado ao falar.

Talvez não seja difícil cometê-lo. É certamente mais complicado, de um ponto de vista fonético, dizer a sua versão correta, que, obviamente, é hás-de. Mas da mesma forma como todos nós, na infância, andámos insistentemente a treinar os "três tristes tigres", também podíamos tê-lo feito com "hás-de". "Hás-de". "Hás-de". "Hás-de". "Hás-de".

Se alguma vez cometeu este erro, repita "hás-de", pelo menos mil vezes, para nunca mais se voltar a enganar. Se comete de propósito, só porque é preguiçoso, pense que há alguém a ouvi-lo e, provavelmente, a insultá-lo mentalmente (ou a reagir da forma que se segue:)




Um bocadinho mais raro, mas ainda assim demasiado frequente, é a forma ha-dem, outro processo extraordinário de quem não gosta de se esforçar ou simplesmente de quem não aprender a falar a língua como deve ser. Em vez de hão-de, que não é nada, mas nada complicado de se dizer.

E, já agora, vamos só explicar: o verbo haver, tipicamente um verbo impessoal, em certas construções comporta-se como um verbo que se pode conjugar de acordo com o sujeito. Frases do tipo "havias de cá vir", em que o verbo haver é seguido da preposição "de". A frase aqui referida está no Pretérito Imperfeito, mas quando usada no Presente do Indicativo:

Eu hei-de
Tu hás-de (hás-de, hás-de, hás-de, hás-de)
Ele há-de
Nós havemos de
Vós haveis de
Eles hão-de (hão-de, hão-de, hão-de)

É importante também referir que, aqui, o verbo "haver" - seguido da preposição "de" - é um verbo auxiliar, sendo sempre seguido de um verbo principal.

E para quem continua a cometer este escabroso erro da língua portuguesa, lembrem-se: a língua é aquilo que os falantes falam, está em constante evolução. Quantos mais houver a dizer atrocidades como "ha-des" ou "ha-dem", maior é a probabilidade de virem a deixar de ser erros. E isso é das piores coisinhas que se pode fazer a uma língua tão bonita, tão rica, tão cheia de recursos como é a língua portuguesa, não é?

E já agora, devo dizer: Hades existe. É o nome de um deus grego. E escreve-se tudo junto e com maiúscula. E é o deus dos infernos. Infernos! Perceberam? Hades é dos infernos! Portanto não o digam.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

9 - Meio-dia e meia / Meio-dia e meio

Hoje vamos sair um pouco do domínio da escrita e entrar, por breves momentos, na oralidade. Ora, em muitas e muitas conversas, as horas são um tema muito falado. E a hora 12h30 é muitas vezes referida na oralidade de forma errada.

Os falantes, quando pensam em meio-dia, pensam numa palavra do género masculino, porque a palavra "dia" é masculina e porque a palavra "meio" também parece ser. Mas, na verdade, não é. Vamos por partes.

A palavra meio pode pertencer a três classes de palavras distintas. Em primeiro lugar, pode ser um adjetivo, que pode significar "metade de" alguma coisa ou algo "médio, moderado" (segundo o Priberam). Quando é um adjetivo, meio é variável em género (há meio e há meia). E como um adjetivo surge sempre no escopo de um nome - que está a qualificar -, tem de concordar com género desse nome.

Também pode ser um nome, de género masculino, com vários significados possíveis (metade, o centro de alguma coisa, o modo para chegar a algum lado, etc).

E, finalmente, pode ser um advérbio, que significa "um pouco" ou "mais ou menos". Meio, enquanto advérbio, é uma palavra invariável, não tem género.

Portanto, meio tanto pode ser variável em género, como não ter género nenhum, como ser uma palavra do género masculino. É natural que confunda, sobretudo numa expressão em que surge duas vezes. E a pior parte é que, apesar de os adjetivos surgirem sempre no escopo de um nome, nem sempre esse nome está expresso na frase ou expressão. É precisamente o caso.

Meio-dia é um nome composto, do género masculino porque o nome "dia" é que é, por assim dizer, "dominante". Mas o "meio" que vem a seguir é um adjetivo. E este adjetivo não concorda com a palavra meio-dia, mas sim com aquilo a que meio-dia se refere: a hora. E a hora é um nome de género feminino. E os adjetivos concordam sempre com o nome, não é? Então, a expressão é meio-dia e meia hora. Ou, simplificando, meio-dia e meia.

Isto é válido quer para português europeu como português do Brasil.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

8 - Eminente / Iminente

Neste ciclo de erros lexicais, temos percebido que, muitas vezes, a fonética semelhante das palavras leva a que muitos falantes cometam erros de escrita que deturpam o significado da sua mensagem. Este é mais um exemplo. 

Embora possa haver uma ligeira diferença na pronunciação do "e" e do "i" no início das duas palavras, a maior parte das pessoas pode nem a detetar. E, consequentemente, muitas acabam por escrever coisas do tipo:

- A transferência do jogador está eminente.

Mal. Eminente significa algo que se destaca, que é superior

e·mi·nen·te 
adjectivo de dois géneros
1. Elevadoexcelente.
2. Que excede aos outros.

"eminente", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/eminente [consultado em 11-05-2016].

Assim sendo, uma montanha pode ser eminente, por ser muito alta e por se destacar claramente na paisagem. Uma pessoa pode ser eminente, por ser importante ou por ter uma qualquer qualidade que é excelente.

Portanto, eminente não significa "aquilo que está prestes a acontecer". Isso, sim, é o que significa iminente. Ou seja:

- A transferência do jogador está iminente [e, portanto, pode acontecer a qualquer momento].

i·mi·nen·te 
(latim imminens-entisparticípio presente de immineo-areestar próximoestar iminente)
adjectivo de dois géneros
1. Que está quase a acontecer. = IMEDIATOPRÓXIMO

"iminente", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/iminente [consultado em 11-05-2016].

Na verdade, há um truque para decorar. Apesar de ambas as palavras pertencerem à classe dos adjetivos, a palavra iminente surge, normalmente, associada à expressão estar iminente. Por significar estar próximo, esta expressão tem uma interpretação temporal de futuro próximo. Ou seja, no momento da enunciação, supomos que é verdade que aquela proposição há-de acontecer num futuro próximo. Ainda não aconteceu, não está a acontecer, mas vai acontecer em breve. 

Pelo contrário, associamos a palavra eminente a uma qualidade, algo que é imutável. E portanto, não a podemos incluir numa expressão que carreie informação temporal. Se a montanha é eminente, então já o era no passado - desde a sua formação -, continua a sê-lo no momento da enunciação e continuará a sê-lo no futuro - a menos que desabe. 

Uma vez mais, basta ter atenção ao escrever, pois não há qualquer semelhança semântica nestas duas palavras, apesar de ambas serem adjetivos. 


segunda-feira, 9 de maio de 2016

7 - Traz / Trás

Este é de tal forma óbvio que parece impossível que alguém com mais do que o ensino primário se engane. Mas, infelizmente, é um erro comum, que acontece por se tratar de duas palavras homófonas, i.e., que se lêem exatamente da mesma maneira. 

E, pior, também acontece aparecerem em meios de comunicação social. Não duvidem: erros como este são daqueles que retiram qualquer credibilidade a quem escreve. 

A forma traz vem do verbo trazer, daí escrever-se com "z". É tão simples quanto isto. Ou não é? E corresponde à 3ª pessoa do singular, no Presente do Indicativo. Também pode ser a 2ª pessoa do Imperativo, que é o modo ligado às ordens e aos pedidos. Ou seja:

- Em alguns dias, ela traz a filha para o trabalho.
- Maria, traz o garrafão de água!

Por seu turno, trás consiste na parte posterior de alguma coisa. Ou, dito de forma ainda mais básica, é o contrário de frente. Também não podia ser mais simples. 

- O Pedro virou-se para trás e viu-a.
- O atleta veio a correr desde trás e ganhou a maratona. 

E é isto. Fácil, não é? Basta ter atenção.


quinta-feira, 5 de maio de 2016

6 - Descriminar / Discriminar

Este erro, tal como outros de que temos falado, encontra-se frequentemente em meios de comunicação social. E tal como o erro do artigo anterior, isso tem muitas repercussões para o sentido global da frase.

O erro, mais uma vez, está relacionado com a semelhança gráfica entre as palavras, mas se atentarmos às regras de formação de palavras, podemos retirar logo daí conclusões.

A palavra descriminar tem uma partícula importante, que é o prefixo "des". Ora, o prefixo "des" significa "ação contrária" (Ciberdúvidas). Ou seja, descriminar tem como raiz a palavra "criminar", a que é acrescentado o prefixo. Logo, descriminar é o contrário de criminar. E criminar significa:

cri·mi·nar Conjugar
(latim criminor-ariacusarcaluniar)
verbo transitivo
1. Ter como criminoso.
2. Imputar crime a.
3. Acusar.


"criminar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/criminar [consultado em 05-05-2016].

A tal "ação contrária" de tudo isto, vulgo, a palavra descriminar, significa:

des·cri·mi·nar Conjugar
(des- + criminar)
verbo transitivo
Tirar a culpa aabsolver do crime imputado. = DESCRIMINALIZAR

"descriminar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/descriminar [consultado em 05-05-2016].

Portanto, fixem o truque: se virem o "des", é um prefixo e a palavra está relacionada com a absolvição de culpa de alguém, em frases do tipo o juiz descriminou o homem acusado de traficar droga.

Isto nada tem que ver com a palavra associada a conceitos como xenofobia ou intolerância, que é a palavra discriminar ou discriminação, etc. E "dis" não é prefixo de coisa nenhuma; pelo contrário, faz parte da raiz da palavra discriminar. Que, por sua vez, significa:

dis·cri·mi·nar Conjugar
(latim discrimino-are)
verbo transitivo
1. Estabelecer diferenças. = DESTRINÇARDIFERENÇARDISCERNIRDISTINGUIR
2. Colocar algo ou alguém de parte. = SEPARAR
3. Tratar de modo desigual ou injustocom base em preconceitos de alguma ordemnomeadamente sexualreligiosaétnicaetc.

"discriminar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/discriminar [consultado em 05-05-2016].

Portanto, podemos discriminar pessoas de diferentes origens, etnias, etc; podemos apresentar uma conta discriminada. O que não podemos fazer é discriminar alguém de um crime cometido ou descriminar uma pessoa pela sua etnia. 

sexta-feira, 29 de abril de 2016

5 - Ratificar / Retificar

Esta é outra que os jornais teimam em usar mal. Um erro extremamente comum em texto jornalístico, por ambas as palavras serem bastante usadas, embora tenham significados completamente diferentes.

O facto de haver muitas palavras parecidas em português só significa que quem escreve tem de o fazer com cuidado e atenção. E, se estiver a escrever para muita gente, como acontece nos meios de comunicação, em blogs ou para a web em geral, convém que saiba exatamente o significado daquilo que diz/escreve.

Ora bem, assim sendo, para explicar este erro basta explicar o que cada palavra quer dizer.

O verbo ratificar significa "confirmar", "comprovar", e é sobretudo utilizado em contexto jurídico. Quando uma lei é "comprovada" por alguém, ela é ratificada. Também se podem ratificar outros tipos de documentos, naturalmente. Dito de forma leiga, ratificar é a forma de tornar oficial o documento ou a lei, ou seja o que for.

Por seu turno, retificar significa "corrigir". Assim, retifica-se um erro. Também se pode retificar uma lei ou qualquer documento, claro, mas isso é porque a lei estava errada, não é porque vai ser promulgada por quem quer que seja.

É certo que a nova ortografia não veio ajudar em nada, porque tornou a grafia dos dois verbos ainda mais semelhantes (já que caiu o c em rectificar). Mas não é desculpa!

Este é um erro clássico para fazer lembrar sempre a quem escreve: tenha sempre atenção!


quarta-feira, 27 de abril de 2016

4 - Em vez de / ao invés de

Felizmente, este não é dos mais comuns, mas ainda ocorre muitas vezes. É fácil, sobretudo, confundir estas expressões na oralidade. Aqui vale a pena ir ao dicionário para ver as diferenças. Então:

- Invés:
in·vés 
substantivo masculino de dois números
1. Lado oposto ao dianteiro. = AVESSO

ao invés (de)• Ao contráriocontrariamente (ex.: a vantagem destes materiaisao invés dos anterioresé a relação qualidade-preço).

"invés", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/inv%C3%A9s [consultado em 27-04-2016].

- Vez:
vez |ê| 
substantivo feminino
(...)
3. Ocasiãoturno.
4. Tempoépoca indeterminada.

(...)
em vez de• Em lugar de.

"vez", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/vez [consultado em 27-04-2016].

Só por estas palavrinhas, que constituem o núcleo das duas expressões lexicais confundidas, se percebe como têm significados diferentes. Em vez de e ao invés de são duas locuções adverbiais, que têm, então, propósitos distintos. 

A primeira relaciona-se com uma ideia de substituição: Em vez de ir à inspecção, comprei um carro novo. A segunda equivale a ao contrário de. Ora, não podemos dizer Ao contrário de ir à inspecção, comprei um carro novo, pois não?

Da mesma forma como não podemos dizer Em vez da irmã, o Rui gosta de estudar. Pelo contrário, dizemos Ao invés da irmã, o Rui gosta de estudar.



segunda-feira, 18 de abril de 2016

3 - Ir de encontro a / Ir ao encontro de

       - O jovem político vai de encontro aos objetivos do partido.

Quantas vezes encontramos frases destas nos meios de comunicação social? Muitas, certo? Provavelmente, tantas que nem percebemos exatamente o que lá está escrito. O Estudar a Língua dá uma ajudinha. Vejam o próximo exemplo.

     -  O esquilo foi ao encontro de um tronco e caiu.

Que tal parece? Mal, estranho, não é? Pois claro. E se dissermos que "o esquilo foi de encontro a um tronco e caiu"? Estão a começar a perceber a diferença, certo?

A palavra encontro, que é uma nominalização formada a partir do verbo encontrar, permite estas duas expressões, que têm sentidos e usos completamente diferentes, mas que pela sua relativa semelhança se confundem muitas vezes entre si.

Quando falamos em ir ao encontro de, referimo-nos a uma ideia de concordância de uma entidade em relação a outra. É, portanto, uma expressão de natureza psicológica. E, assim sendo, o primeiro exemplo apresentado neste post devia incluir esta expressão e não a que lá está.

       - O jovem político vai ao encontro dos objetivos do partido. = O jovem político partilha os mesmos objetivos do partido. = O jovem político concorda com os objetivos do partido.

Pelo contrário, quando falamos em ir de encontro a, aqui sim, referimo-nos à ideia de movimento físico. Logo, o esquilo não poderia ir ao encontro de um tronco mas sim ir de encontro a um tronco.

Lembrem-se: de a preposição a (contraída com o artigo definido o) vier primeiro, a ideia é de concordância; se vier primeiro a preposição de, falamos de movimento físico.


sexta-feira, 15 de abril de 2016

2 - Há / à / a

Este é um erro particularmente irritante. Em boa verdade, deve haver muito poucas coisas mais irritantes do que ler textos escritos por alguém que consegue confundir estas três pequenas partículas. Por diversas razões, mas sobretudo, porque é não é um erro de primária: é um erro de primeira classe. (ou de primeiro ano, para quem quiser).

Mas vamos lá então explicar as restantes razões. Em primeiro lugar, as três palavrinhas pertencem a classes diferentes.

- é uma forma verbal pertencente ao verbo haver. Se o leitor já souber isto, achará óbvio e pode passar à frente. Se não souber, repita 1000 vezes para si e não se volte a enganar. E acrescente que o verbo haver tem o mesmo significado de existir. Há, então, dois usos primordiais para o há: o primeiro está relacionado com a ideia de existência; o segundo com a ideia de tempo [passado].

           - Há um senhor que está ali doente. [ou seja, o senhor existe, está ali].
           - Há muito tempo; há um ano; há uma semana...

Se não for isto que quer dizer, não invente e deixe o "há" em paz.

À é uma contracção do artigo definido a com a preposição a. Recuemos, então: o artigo definido, que é variável em género e número, precede um nome (a Maria; a menina; a boneca) ou é o primeiro elemento de um sintagma nominal (a minha filha; a linda boneca). A preposição, como qualquer outra, é um elemento relacional, i.e., serve para ligar dois elementos numa mesma oração ou numa mesma frase, elementos esses que são dependentes entre si (vou a Lisboa; a uma semana da viagem, fiquei doente). Assim, usa-se a contracção à quando queremos dizer as duas coisas (artigo e preposição) ao mesmo tempo.

           - Vou à costureira. [Vou a(prep) a(art.) costureira]

Assim sendo, se por acaso costuma dizer algo do tipo "À dois anos", bata com a cabeça nas paredes umas quantas vezes para nunca mais se esquecer que, nesse caso, tem de usar .

- A distinção é bastante fácil e prende-se com o papel da preposição a. Quando usamos "há" sem ser com sentido de existência no momento da enunciação, esta forma verbal remete para o passado, daí expressões como há muito tempo atrás, etc. Pelo contrário, vimos num dos exemplos acima que a preposição a surge em construções com projeção de futuro (embora não seja ela que dá informação temporal de futuro, apenas significa que faz parte de uma construção frásica que tem essa leitura):

            - A uma semana da viagem, fiquei doente [falta uma semana para a viagem (futuro) e eu fiquei doente];
            - Vou a Lisboa [ainda não fui, logo irei no futuro; aqui, a preposição a pode ser substituída por até, por exemplo]

segunda-feira, 11 de abril de 2016

1 - O facto de o / o facto do

O novo ciclo de expressões lexicais utilizadas erradamente arranca com uma expressão que, arriscamos nós, aparece mais vezes escrita mal do que bem. Na verdade, há que admitir: em algumas destas expressões, é impossível fugir a certas questões gramaticais. Esta é uma delas.

Em primeiro lugar, para percebermos onde está o erro, temos de voltar às preposições. As preposições "de" e "em" têm uma propriedade que lhes permite contraírem com artigos, sejam definidos ou indefinidos, e ainda com pronomes pessoais.

Assim surgem "do", "da", "no", "na" e por aí fora. Foquemo-nos apenas na preposição "de". Esta contracção surge, por exemplo:

- para transmitir a ideia de posse (o carro do João; a bicicleta da Maria);
- para transmitir a ideia de origem (ele veio da cidade).

Muito diferente destes casos é a construção o facto de. A razão é simples. Enquanto o "de" que vimos acima está a introduzir complementos do nome anterior, este está a introduzir uma nova oração.

Sendo assim, as condições para uma contração da preposição com o artigo não existem, uma vez que a expressão seguinte funciona como sujeito da nova oração.

- O facto de ele estudar muito fez com que tivesse boas notas.
- *O facto dele estudar fez com que tivesse boas notas.

Outra expressão semelhante é antes de seguido de uma oraçãoem que aplicam exatamente as mesmas regras.

- Antes de ela entrar já eu tinha almoçado.
- *Antes dela entrar já eu tinha almoçado.

Por isso, lembrem-se: se virem a preposição de numa expressão lexical que introduza uma nova oração, não é possível vermos uma contração nem com artigos nem com pronomes.






domingo, 10 de abril de 2016

Novo ciclo: conheça os erros lexicais que nunca vai querer cometer



Hoje vamos sair do domínio da gramática e entrar no domínio do léxico. Quando falamos ou escrevemos, cruzamos inconscientemente várias áreas da língua. A gramática é uma delas, o léxico é outra. E há mais, como a fonética ou a pragmática, por exemplo.

Quando falamos em gramática, dito de uma forma básica e simplista, entramos no domínio das regras de construção frásica e da forma como combinam os constituintes de uma frase. Se falamos do léxico, estamos no domínio das palavras e das expressões que utilizamos todos os dias e que também são, obviamente, fundamentais para nos fazermos compreender.

Por isso, não convém cometer erros. Há por aí muitos sites e blogues que falam, de forma generalizada, em erros gramaticais quando estão a falar de expressões e de palavras. Mas muitos destes blogues não são escritos por especialistas da língua e podem muito bem induzir as pessoas em erro, apenas por porem tudo no mesmo saco. E mal. Quando nos referimos a erros no uso de palavras e expressões, não se trata de erros gramaticais, mas sim de erros lexicais.

E é por estes serem fundamentais e nem sempre estarem devidamente explicados que o Estudar a Língua se propõe a criar um novo ciclo de posts, em que vai explicar e corrigir, um a um, alguns dos maiores e mais comuns erros lexicais do português. Estejam atentos!


P.S. A lista que este espaço vai apresentar refere-se apenas ao português europeu, por uma simples razão. Muitos dos erros habitualmente apontados a falantes do português do Brasil, como confundir "mas" com "mais", por exemplo, surgem por questões relacionadas com a fonética ou com a pronunciação. Como aqui estamos no domínio do léxico, questões fonéticas e de pronunciação não serão tratadas.

domingo, 3 de abril de 2016

O que vai querer saber sobre os tempos do passado

Ontem escreveu-se aqui sobre o Presente do Indicativo, hoje abordam-se os dois principais tempos do  passado do modo Indicativo em português: o Pretérito Perfeito e o Imperfeito.

No post anterior, vimos a diferença entre estados e eventos - ou situações não-dinâmicas e situações dinâmicas. Nos tempos do passado, a sua influência difere.

O Pretérito Perfeito é, por excelência, um tempo verbal que dá, efetivamente, informação de tempo passado (anterior ao momento da enunciação). Isto tanto é válido para estados como para eventos.

- Eu comi uma maçã.
- Eu estive doente.

O primeiro exemplo é um evento; o segundo, um estado. Em ambos, temos a informação de que uma situação ocorreu - e terminou - antes do momento da enunciação. Aqui reside uma das maiores diferenças entre o Pretérito Perfeito e o Imperfeito do ponto de vista temporal: o Pretérito Perfeito é um tempo terminativo, ou seja, dá informação de que a situação foi concluída no passado.

O Imperfeito, pelo contrário, nem sempre dá a informação de que a situação está concluída. O exemplo que se segue, retirado da Gramática da Língua Portuguesa (2003), demonstra isso mesmo:

- A Maria lia o jornal quando a Joana chegou.

Por esta frase, não conseguimos perceber quando a situação "a Maria ler o jornal" terminou. Isto tem uma outra consequência: ao não dar informação nem sobre o início nem sobre o fim das situações. o Imperfeito parece ter a propriedade de "alargar" as situações, isto é, de as fazer parecer mais duradouras.

No exemplo acima, dá a ideia de que a Maria esteve a ler o jornal durante algum tempo - indefinido - no passado.

O Imperfeito de cortesia e o Imperfeito no futuro

No post que anunciou o tema da semana, referiu-se o Imperfeito como o tempo verbal que mais usos tem. É que, na verdade, nem sempre o Imperfeito é usado como um tempo do passado. Na verdade, há situações em que nem tem sequer informação de tempo.

É o caso do Imperfeito de cortesia, de que já aqui falámos. Quando vamos ao café e dizemos "queria um café", estamos a usar este tempo verbal apenas porque parece mais educado do que dizer "quero um café", que soa mais como uma ordem do que um pedido.

Estranhamente, o Imperfeito também pode ter uma projeção de futuro, seja em frases condicionais ou em frases com adverbiais como amanhã, que dão essa leitura temporal.

- Se a Rita chegasse a tempo, íamos ao concerto.
- Amanhã ia falar consigo ao escritório.*




* Exemplos retirados da Gramática da Língua Portuguesa (2003)

sexta-feira, 1 de abril de 2016

O que vai querer saber sobre o Presente

Ora, retomando o tema da semana, os tempos verbais, é hora de falar do presente. Como foi escrito no artigo anterior, o Presente do Indicativo raramente é usado para expressar o momento presente, o agora, doravante aqui chamado de momento da enunciação.

Isto significa que este tempo verbal nem sempre possui, na verdade, informação temporal. Eis um exemplo:

- Eu como uma maçã.
- Eu estou a comer uma maçã.

Qual destas frases é que usariam se estivessem, no momento da enunciação, a comer uma maçã? A segunda, pois claro, que está na forma progressiva. Isto acontece porque o Presente do Indicativo, nesta frase em particular, não tem grande informação de tempo. Para percebemos a razão para esta leitura, temos de perceber que há dois tipos de situações: situações dinâmicas (comer, correr, fazer, nascer, etc.) e situações não-dinâmicas (estar, ser). Às situações dinâmicas vamos chamar de eventos e às não-dinâmicas, estados.

Então, quando dizemos "eu como uma maçã", que é um evento, estamos a dizer exatamente o quê? Uma locução adverbial pode ajudar a explicar:

- Eu como uma maçã todos os dias.

Uma frase destas significa que estamos a falar de um hábito, de comer uma maçã todos os dias. Claro que o adverbial ajuda a reforçar a leitura, mas o que acontece é que quando usamos o Presente do Indicativo com eventos, o tempo verbal não dá informação temporal. Pelo contrário, dá uma leitura de habitualidade. Outro exemplo:

- Ele tocou piano como só ele o faz [habitualmente].

Pelo contrário, se o Presente do Indicativo for usado com um estado, então aí sim, dá informação de tempo presente:

- Eu estou [agora mesmo] em Londres.

Há, como sempre, alguns casos excecionais, em que o Presente pode dar informação de tempo presente com eventos. Mas são mesmo muito raros. Um exemplo que os gramáticos costumam dar é o dos relatos de futebol em direto.

- Messi recebe a bola... chuta... e marca golo [neste preciso momento].

Presente projetado para o futuro

Estes são os dois usos prototípicos deste tempo verbal. Mas também o podemos encontrar em frases com uma leitura de futuro, embora não seja o tempo verbal em si que dê essa informação. Como por exemplo:

- Chove amanhã.

Esta leitura é reforçada com a estrutura ir no Presente do Indicativo + verbo principal no infinitivo. Se, no exemplo, anterior, a leitura de futuro é sobretudo dada pelo adverbial "amanhã", uma frase do tipo "Vai chover" não precisa de adverbial para percebermos que se trata de uma frase com leitura de futuro.

E, para não complicar, por hoje é tudo. Amanhã haverá mais, sobre outro tempo verbal. Fiquem atentos!

terça-feira, 29 de março de 2016

5 factos que vai querer aprender sobre tempos verbais

Os tempos verbais são o tema da semana no Estudar a Língua. Antes de analisarmos os tempos do português e a sua aplicação na oralidade e na escrita, vamos conhecer alguns factos interessantes sobre tempos verbais, que o leitor certamente vai gostar de aprender.

Foto: UOL educação


1 - Quem foi pioneiro a falar de tempos verbais e de verbos? 

Foto: clipart.me
Nada mais, nada menos do que Aristóteles! Na obra De Interpretatione, o pensador grego propõe uma definição de verbo e refere que o verbo transmite a "noção de tempo" e que carreia a noção do momento presente, do "agora". Isto, além do próprio significado da forma verbal, claro está.
Para o autor, a forma básica do verbo tem informação do tempo presente, ao passo que as formas que transmitem informação de passado e de futuro são indicadores de tempos verbais.
Hoje em dia sabe-se que há outras formas de expressar informação de tempo e sabe-se também que a função dos verbos não é apenas essa, mas os estudos de Aristóteles foram um grande contributo para os avanços da linguística e ainda hoje são tidos como referência em alguns estudos.

2 - Quantos tempos verbais tem o português? 

O português tem 19 tempos verbais*, divididos em dois modos e ainda num grupo de formas nominais (por terem propriedades em comum com os nomes). Além destes modos, ainda existe o modo Imperativo, relacionados, com ordem ou pedidos, por exemplo.

Indicativo: Presente (tenho), Pretérito Perfeito Simples (tive), Pretérito Imperfeito (tinha), Pretérito Mais-Que-Perfeito Simples (tivera), Pretérito Mais-Que-Perfeito Composto (tinha feito), Futuro Simples (terei), Futuro Composto (terei feito), Condicional (teria), Condicional Composto (teria feito)

Conjuntivo (Subjuntivo em PT BR): Presente (tenha), Imperfeito (tivesse), Pretérito Mais-Que-Perfeito (Imperfeito Composto) (tivesse feito), Futuro (tiver), Futuro Composto (tiver feito)

Formas nominais: Gerúndio (tendo), Particípio (tido), Infinitivo impessoal (ter), Infinitivo flexionado (terem)

* Mas atenção: alguns gramáticos podem discordar desta análise, porque, como se referiu acima, nem todas estas formas verbais têm informação temporal.

3 - O Presente raramente transmite tempo presente.

Estranho, não é? Mas em certas línguas, como o português e o inglês, para transmitir tempo presente usa-se a forma progressiva: estar a + infinitivo na norma padrão do português europeu; estar + gerúndio em português do Brasil (e em certas regiões de Portugal, como o Alentejo) (estou a fazer um bolo; estou fazendo um bolo). Durante esta semana vamos explicar porquê, por isso estejam atentos!

4 - O português é das raras línguas a nível mundial que tem infinitivo flexionado.

O infinitivo, em princípio, é a forma mais básica do verbo, a raiz, por assim dizer. Por isso, é geralmente impessoal e não tem flexão. Acontece que, no português, pode ter, quando é precedido de tem sujeito próprio.

Por exemplo, não podemos dizer: *É bom eles fazer exercício. Dizemos, isso sim: É bom eles fazerem exercício. (Contraste-se com a construção impessoal: É bom fazer exercício.)

5 - O Imperfeito é o tempo verbal que mais usos diferentes tem em português.

Foto: lifehacker.com
Além de ser um tempo do passado, o Imperfeito é tradicionalmente usado com valor de cortesia, por exemplo. Quando pedimos um café, por exemplo, preferimos normalmente o Imperfeito ao Presente, embora seja no momento presente que queremos realmente um café (Queria um café).

Na verdade, raramente o Imperfeito é só um tempo do passado. Sem querer acrescentar demasiada informação por enquanto, porque também vamos falar mais disto durante a semana, o Imperfeito às vezes até é usado com um certo sentido de futuro, em frases do tipo "Amanhã ia ter contigo se pudesses" (é importante notar que o leitor só tem a certeza de que há uma leitura de futuro por causa do amanhã).

Já sabem: fiquem atentos, porque durante esta semana vamos ensinar bem mais sobre tempos verbais!



segunda-feira, 21 de março de 2016

10 dicas para escrever bem, sem erros e de forma convincente

Quer candidatar-se a uma entrevista de emprego? É responsável por documentação na empresa onde trabalha? Escolheu uma carreira que o obriga a escrever muito (e bem)?

Pois bem, não terá outra hipótese que não a de ter muito cuidado e atenção com aquilo que escreve. O uso correto da língua é uma componente fundamental no meio profissional e um descuido pode arriscar a sua reputação. E se escrever faz mesmo parte do seu dia-a-dia, então não ter consciência sobre alguns aspetos linguísticos é um risco tremendo e, muito provavelmente, um erro. 

1 - Não cometer erros ortográficos


Os erros ortográficos Os correctores ortográficos são uma ferramenta rápida, eficiente e extremamente útil.

2 - Pontuação, pontuação, pontuação



Nunca é demais insistir: a pontuação é absolutamente determinante para a leitura. Erros de pontuação podem alterar por completo a semântica de uma frase. Se há pausas, use a vírgula, sem medo. 

Simplesmente, tenha o cuidado de não separar por vírgulas elementos da frase que não podem ser separados: sobretudo, nunca separe sujeito e o verbo por pontuação. Use-as, por exemplo, em enumerações, apostos (como "por exemplo" ou quaisquer outros constituintes que sirvam para classificar ou identificar o constituinte anterior), entre outros. 

Não se esqueça do ponto final no fim de uma frase. Se esta for exclamativa ou tiver um teor mais emotivo, use o ponto de exclamação (!) e, por favor, não use pontos finais em perguntas. O ponto de interrogação (?) serve para alguma coisa e, francamente, não o utilizar é um hábito irritante. 

Antes de um diálogo ou antes de apresentar uma enumeração, use os dois pontos (:). 

3 - Não dizer dez palavras quando duas chegam

Às vezes temos a tendência para complicar e dizemos demasiadas palavras para exprimir uma ideia. A língua portuguesa é uma língua rica e dá-nos muitas ferramentas. Pare um pouco e pense se não há uma maneira mais simples de se expressar. 

4 - Frases activas em vez de frases passivas

As frases passivas são úteis quando o sujeito é nulo. Mas têm um problema: alteram a ordem de palavras. Para se exprimir de forma eficiente, escreva de acordo com aquilo que é mais habitual para quem lê. Como já aqui referimos, a ordem de palavras habitual é S V O (Sujeito - Verbo - Objeto). Nas frases passivas, o constituinte que reconhecemos como sujeito passa para uma posição final da frase, tornando-a mais difícil de ler, porque não obedece à ordem habitual. 

Além disso, nas frases passivas usamos obrigatoriamente uma perífrase verbal, isto é, o sintagma verbal é constituído por mais do que uma forma verbal. Portanto, em muitos casos, estaremos a usar palavras a mais para aquilo de que precisamos.

Afinal, para quê dizer "A escultura foi feita pelo João" se podemos simplesmente dizer "O João fez a escultura"?

5 - Frases afirmativas em vez de frases negativas



A menos que o propósito seja mesmo reforçar a negatividade ou a negação da verdade de uma proposição qualquer, use frases afirmativas. São sempre mais fáceis de ler e são mais assertivas (e, mais uma vez, à partida serão mais curtas do que frases que incluem uma negação). 
6 - Não cometer erros gramaticais

De erros gramaticais temos falado desde que este blogue foi criado. Já percebemos que há erros mais graves do que outros, ou mais detetáveis do que outros. Este ponto não pode ser explanado aqui, porque a gramática tem uma dimensão quase infinita, e seria impossível apontar aqui todos os erros gramaticais passíveis de serem cometidos. Mas todos nós temos conhecimento da língua para detectar erros que tornem o texto menos fluido ou mais difícil de perceber. Quando assim é, é possível que haja alguns erros gramaticais. É uma questão de ter atenção e, claro, de ir lendo sempre que possível o Estudar a Língua, que o pode ajudar em muitas questões. 

7 - Saber quando hifenizar



Se algum dia alguém lê um texto seu e apanha algo como "fize-mos", diga adeus à sua reputação: quem o leu vai achar que não sabe escrever português. A conjugação dos verbos dá-se no ensino primário. Se cometer erros de primária, vão achar que a sua formação acabou aí ou que, durante o resto da sua formação, andou a dormir em vez de aprender e de estar atento. O hífen serve para "integrar" certas formas pronominais numa forma verbal. Leia mais sobre isto aqui e aqui.

8 - Não complicar

Em alguns dos pontos anteriores já explorámos um pouco esta ideia. A simplicidade é a maior arma para a eficiência. Quando escrevemos, temos um dado leitor e uma dada mensagem. A mensagem que está na nossa mente tem de passar para palavras escritas. Isso nem sempre é fácil: por vezes não encontramos a palavra certa e acabamos por complicar com demasiadas explicações e "rodriguinhos". Os textos não precisam de muitos ornamentos: deixe isso para as grandes obras literárias. Os ornamentos servem para quem tem um domínio profundo da língua, mas não se deixe enganar: são poucos os que o têm, e mesmo esses, muitas vezes, preferem simplificar para passarem eficazmente a sua mensagem.



9 - Usar devidamente a acentuação



O português tem acentos. Quem não gosta, tem de se habituar. Se não acentuar as palavras como deve ser, vai passar por preguiçoso, porque não se deu ao trabalho de colocar o acento onde devia. Sublinhe-se: onde devia; não ponha acentos no sítio errado. 

Lembre-se: há três tipos de acentuação em português. Há as palavras agudas, cuja sílaba tónica é a última (a-qui). Há as palavras graves, que são uma maioria, e cuja sílaba tónica é a penúltima (bo-la). E há, finalmente, as palavras esdrúxulas, cuja sílaba tónica é a antepenúltima (re-mé-di-o). 

Estas últimas são menos frequentes e são quase sempre acentuadas, seja por acento agudo ( ´ ) ou por acento circunflexo ( ^ ). 

Não existem palavras com dois acentos (a menos que um deles seja o sinal de anasalação, mais conhecido como til ( ~ )). 

Há ainda o acento grave. O acento grave só se usa nas seguintes palavras: à, àquilo, àquele/a/es/as. Este acento surge apenas quando há uma contração da preposição a com os determinantes a, as, aquilo, aquele, aquela, aqueles e aquelas

Dê lá por onde der, nunca confunda o acento agudo com o acento grave. Sobretudo, não confunda à com . Isso demonstra, no mínimo, falta de concentração. Na pior das hipóteses, mais uma vez, pode fazer com que o seu leitor pense que não sabe escrever, porque é outra vez um erro primário e grave. 


10 - Fazer uma revisão
Pode perder algum tempo, mas é um trabalho muito valioso. É subvalorizado, porque as pessoas andam sempre com pressa, sobretudo no meio profissional, mas uma boa revisão pode fazer a diferença. 
Às vezes cometemos erros irrelevantes, pequenas gralhas. Basta clicarmos na tecla ao lado daquela em que queremos mesmo carregar. Uma revisão permite-nos corrigir estes e outros erros e permite-nos perceber se em algum ponto do texto nos perdemos numa frase demasiado longa ou que ficou incompleta.  
A verdade é que o processo de revisão é quase tão importante como o da escrita, porque é da revisão que deve sair o produto final.


Se cumprir todas estas dicas, pode ter a certeza de que terá um produto final cuidado e credível. Não se esqueça: o Estudar a Língua está cá para esclarecer todas as dúvidas que possam surgir, sobretudo ao nível gramatical. E havemos de retomar este tema, para vos mostrar erros muito comuns na escrita que tem de evitar. Vemo-nos em breve!

quarta-feira, 16 de março de 2016

O maior erro de todos

Foto: Shutterstock
O propósito deste espaço tem sido o de corrigir e explicar erros gramaticais comummente usados em português. Tentamos fazê-lo de uma forma relativamente simples e recorremos a publicações e autores credenciados sempre que necessário. Pois hoje, o post será um pouco diferente.

Hoje vou falar sobre o maior erro de todos. É um erro comum a muitas línguas e a muitas culturas. O português e os países que têm o português como língua oficial não são exceção. É um erro transversal aos mais jovens, ainda em idade escolar, aos adultos que estão no mercado de trabalho, aos estabelecimentos de ensino, aos governos responsáveis pelos programas de ensino.

E é um erro crasso, mas muito simples: não valorizar a língua e a gramática. As noções mais básicas de gramática são ensinadas logo na primária, mas rapidamente são abandonadas antes que sejam aprofundadas.

Questões como as funções sintáticas (o sujeito, o predicado, os objetos) ou as classes de palavras (nomes, adjetivos, advérbios, preposições) são deixadas ao abandono pelo ensino e pelo pouco interesse das crianças nesta matéria. Em vez disso, opta-se por focar todo o ensino posterior em obras literárias. Obviamente que este é um trabalho importantíssimo também, porque representa a cultura da língua. Mas não ensina necessariamente um jovem a falar nem a escrever bem.

Nas universidades, não há formação nesse sentido, a menos que se vá para um curso de linguística. Mas então? Os engenheiros não têm de escrever manuais, propostas, orçamentos? Os professores não têm de dar aulas, escrever sumários? Os CEOs de grandes empresas não têm de apresentar relatórios e contas a cada trimestre? Os alunos universitários não têm de escrever testes, trabalhos, apresentações? Os jovens acabados de entrar no mercado de trabalho não têm de escrever cartas de apresentação em candidaturas de emprego?

A verdade é tão simples quanto esta: os erros gramaticais (os mais simples, pelo menos) são fáceis de detectar por toda a gente, porque há um conhecimento interiorizado da língua. Isto é, há coisas que soam mais ou menos bem. Mas quando somos nós a fazer uso da língua, convém que saibamos o que estamos a fazer, porque falar e escrever de forma errada pode perfeitamente arruinar a nossa reputação enquanto profissionais. 


Se uma pessoa não sabe articular uma frase numa candidatura a um emprego, será que o empregador o vai escolher? Certamente que não, mesmo que não se trate de um emprego relacionado com o uso da língua. Porque o uso correto da língua é uma questão de credibilidade - uma credibilidade das mais básicas - de um profissional.

O mesmo se passa com um profissional que escreve um documento da empresa que esteja repleto de erros. Que credibilidade lhe vão dar? Nenhuma, mesmo que o conteúdo técnico esteja todo lá.

Às vezes, é até uma forma de associarmos inteligência a uma certa pessoa. Claro que não é apenas o uso correto da língua que nos faz ser mais ou menos inteligentes, mas quantas vezes não encontraram comentários do tipo "Vai aprender a falar!" ou "Volta para a escola!" em resposta a declarações com erros gramaticais diversos! Quantas vezes já não vimos as pessoas a atentarem contra a inteligência de outra que tenha escrito uma data de erros?

Ainda assim, estas questões linguísticas são tidas como "chatas", pouco apetecíveis e desinteressantes por muita gente. Mas quando é que essas pessoas estudaram a língua? Quando tinham 6, 7, 8 anos. Do que se lembram? De pouco. Então como sabem que é "chato" e desinteressante? Há quem ache mais gira a matemática. Pois bem, a linguística tem algo de matemático. Dentro das humanidades, é a ciência mais exata (quiçá a única, até). Também tem algo de lógica (outro ponto em comum com a matemática). E, para quem não sabe e desconfia que isto realmente não tem interesse algum, fiquem a saber: é bastante engraçado vermos como conseguimos aprender a desconstruir a forma como falamos, pois ficamos a perceber de onde é que isto tudo vem.

Além disso, no ensino, há sempre disciplinas que temos de saber ultrapassar para concluir um dado ciclo de estudos, não há? E se isso nos beneficiar no futuro, por que não?


sexta-feira, 11 de março de 2016

Tratam-se de muitos disparates...

Hoje vamos tratar de desconstruir... algumas construções impessoais. Como vimos recentemente (aqui e aqui), o português é uma língua com predomínio sintático do sujeito, na medida em que é ele que determina a concordância verbal.

Exceto nas construções sem sujeito, também denominadas por construções impessoais. E como sempre, estas trazem alguns problemas, algumas complicações e, infelizmente, muitos erros. Já falámos do maior deles todos, relacionado com o verbo haver.

Recapitulando esse tema, o verbo haver, por ser impessoal, nunca pode ser conjugado no plural, porque os verbos só podem estar no plural se concordarem com um sujeito igualmente plural. Ora, se não há sujeito (ou se o sujeito é impessoal), não pode haver plural. O verbo haver, no seu uso tradicional, tem apenas uma conjugação possível para o Presente (), para o Pretérito Perfeito (houve), ou para o Imperfeito (havia).

"Tratam-se"de coisas nenhumas

Isto serve para outras expressões, mesmo que envolvam verbos que normalmente se conjugam com sujeitos. Uma delas, e que induz em erro muitos falantes constantemente, é a expressão "tratar-se de".

Claro que é possível dizer frases do tipo "A Maria trata do filho" (singular)" tal como podemos dizer "Os irmãos trataram do pai" (plural). Mas nesta frase há sujeitos (A Maria e Os irmãos). Quando usamos "trata-se de", não há sujeito à esquerda do verbo.

O sujeito é, pois, indeterminado, estando o verbo na terceira pessoa do singular (que, por assim dizer, é neutra). Sublinho: terceira pessoa do singular. Sempre. Significa isto que nunca há "tratam-se de", por muito que o que vem a seguir tenha sentido plural.

- Trata-se de um negócio de muitos milhões de euros.
- Trata-se de negócios de muitos milhões de euros.
- *Tratam-se de negócios de muitos milhões de euros.

Há uma explicação para isto? Talvez... A frase não tem um sujeito gramatical, mas, uma vez mais, o português é uma língua em que o sujeito gramatical tem uma profunda importância sintática na frase. E, tal como existem construções com sujeito à direita do verbo - e com concordância entre verbo e sujeito (como em Chegaram pessoas.) -, é possível que alguns falantes assumam a expressão nominal de sentido plural a seguir ao trata-se de como o sujeito lógico da frase. E daí fazerem a concordância com o verbo.

O português, devo dizer, permite outros tipos de construções impessoais. Mas isso fica para depois...





terça-feira, 8 de março de 2016

Que são estes verbos no plural?

Hoje vamos continuar a estudar questões problemáticas sobre concordância verbal. Na semana passada vimos que a concordância verbal se faz entre o sujeito e o verbo, porque o português é uma língua cuja sintaxe é dominada pelo sujeito - mesmo quando o sujeito é nulo (ou seja, quando não é expresso foneticamente).

Hoje vamos perceber que há certos casos em que isso não acontece. Para isso temos de recuar um pouco até às funções sintáticas. Já falámos no sujeito, que é o argumento externo, e no predicado e nos seus argumentos internos, que tanto podem ser objeto direto, indireto ou complemento oblíquo (quando é iniciado por preposições).

Ora, quando temos verbos do tipo ser, parecer, continuar, estar, ficar, etc., o argumento interno do verbo chama-se o predicativo do sujeito, porque está a conferir uma propriedade qualquer ao sujeito. Seja lá o que for, se estiver precedido do verbo ser, está a predicar o sujeito de alguma coisa.

- Os alunos são inteligentes.
- Eles parecem boas pessoas

Uma nota: o predicativo do sujeito não aparece apenas com o verbo ser; mas o verbo ser seleciona sempre um predicativo do sujeito. 

Então, há alguns casos em que, com o verbo ser, a concordância não se faz com o sujeito, mas sim com o predicativo do sujeito.

1 - Se o sujeito for aquilo, isto, nada, tudo, geralmente seguido de uma oração relativa restritiva.

- Aquilo que sempre quiseste foram férias na praia.
- Aquilo que sempre quiseste foi um cão.

2 - Em frases interrogativas, começadas por pronomes interrogativos como quem ou que.

- Quem são estas pessoas?

3 - Se o sujeito não se referir a pessoas, a concordância pode ser feita com o predicativo do sujeito: 

- O meu orgulho são os meus filhos.
[Reparem na agramaticalidade na concordância com o sujeito: 
*O meu orgulho é os meus filhos.]

4 - Com nomes de sentido coletivo.

- A maioria são mulheres
[Novamente:
*A maioria é mulheres.
Sobre esta frase, claro que é possível reestruturar esta frase de modo a ter concordância com o sujeito, até porque a expressão a maioria é tipicamente conjugada no singular, como já vimos noutro post, mas aí já não é bem o predicativo do sujeito. Veja-se:
- A maioria é composta por mulheres]

Tudo uma questão de medida

5 - Ainda no escopo do verbo ser, lembram-se de vos ter dito (no mesmo post no link imediatamente acima) que se o sujeito indicar uma quantidade ou uma medida, é essa medida que determina se o verbo está conjugado no plural ou no singular? Pois, como é costume, há uma exceção de que não falámos na altura.

Então, o exemplo que dei nesse post foi:

- Um litro de leite custa 1 euro.
- Dois litros de leite custam 1 euro. 

No entanto, a concordância não se faz com o sujeito se a seguir ao verbo estiverem expressões como muito, pouco, menos de, mais de, etc, porque, de uma maneira geral, esses advérbios de quantidade funcionam como predicativo do sujeito.

- Dois quilos de farinha é muito/pouco/demais.