terça-feira, 29 de março de 2016

5 factos que vai querer aprender sobre tempos verbais

Os tempos verbais são o tema da semana no Estudar a Língua. Antes de analisarmos os tempos do português e a sua aplicação na oralidade e na escrita, vamos conhecer alguns factos interessantes sobre tempos verbais, que o leitor certamente vai gostar de aprender.

Foto: UOL educação


1 - Quem foi pioneiro a falar de tempos verbais e de verbos? 

Foto: clipart.me
Nada mais, nada menos do que Aristóteles! Na obra De Interpretatione, o pensador grego propõe uma definição de verbo e refere que o verbo transmite a "noção de tempo" e que carreia a noção do momento presente, do "agora". Isto, além do próprio significado da forma verbal, claro está.
Para o autor, a forma básica do verbo tem informação do tempo presente, ao passo que as formas que transmitem informação de passado e de futuro são indicadores de tempos verbais.
Hoje em dia sabe-se que há outras formas de expressar informação de tempo e sabe-se também que a função dos verbos não é apenas essa, mas os estudos de Aristóteles foram um grande contributo para os avanços da linguística e ainda hoje são tidos como referência em alguns estudos.

2 - Quantos tempos verbais tem o português? 

O português tem 19 tempos verbais*, divididos em dois modos e ainda num grupo de formas nominais (por terem propriedades em comum com os nomes). Além destes modos, ainda existe o modo Imperativo, relacionados, com ordem ou pedidos, por exemplo.

Indicativo: Presente (tenho), Pretérito Perfeito Simples (tive), Pretérito Imperfeito (tinha), Pretérito Mais-Que-Perfeito Simples (tivera), Pretérito Mais-Que-Perfeito Composto (tinha feito), Futuro Simples (terei), Futuro Composto (terei feito), Condicional (teria), Condicional Composto (teria feito)

Conjuntivo (Subjuntivo em PT BR): Presente (tenha), Imperfeito (tivesse), Pretérito Mais-Que-Perfeito (Imperfeito Composto) (tivesse feito), Futuro (tiver), Futuro Composto (tiver feito)

Formas nominais: Gerúndio (tendo), Particípio (tido), Infinitivo impessoal (ter), Infinitivo flexionado (terem)

* Mas atenção: alguns gramáticos podem discordar desta análise, porque, como se referiu acima, nem todas estas formas verbais têm informação temporal.

3 - O Presente raramente transmite tempo presente.

Estranho, não é? Mas em certas línguas, como o português e o inglês, para transmitir tempo presente usa-se a forma progressiva: estar a + infinitivo na norma padrão do português europeu; estar + gerúndio em português do Brasil (e em certas regiões de Portugal, como o Alentejo) (estou a fazer um bolo; estou fazendo um bolo). Durante esta semana vamos explicar porquê, por isso estejam atentos!

4 - O português é das raras línguas a nível mundial que tem infinitivo flexionado.

O infinitivo, em princípio, é a forma mais básica do verbo, a raiz, por assim dizer. Por isso, é geralmente impessoal e não tem flexão. Acontece que, no português, pode ter, quando é precedido de tem sujeito próprio.

Por exemplo, não podemos dizer: *É bom eles fazer exercício. Dizemos, isso sim: É bom eles fazerem exercício. (Contraste-se com a construção impessoal: É bom fazer exercício.)

5 - O Imperfeito é o tempo verbal que mais usos diferentes tem em português.

Foto: lifehacker.com
Além de ser um tempo do passado, o Imperfeito é tradicionalmente usado com valor de cortesia, por exemplo. Quando pedimos um café, por exemplo, preferimos normalmente o Imperfeito ao Presente, embora seja no momento presente que queremos realmente um café (Queria um café).

Na verdade, raramente o Imperfeito é só um tempo do passado. Sem querer acrescentar demasiada informação por enquanto, porque também vamos falar mais disto durante a semana, o Imperfeito às vezes até é usado com um certo sentido de futuro, em frases do tipo "Amanhã ia ter contigo se pudesses" (é importante notar que o leitor só tem a certeza de que há uma leitura de futuro por causa do amanhã).

Já sabem: fiquem atentos, porque durante esta semana vamos ensinar bem mais sobre tempos verbais!



segunda-feira, 21 de março de 2016

10 dicas para escrever bem, sem erros e de forma convincente

Quer candidatar-se a uma entrevista de emprego? É responsável por documentação na empresa onde trabalha? Escolheu uma carreira que o obriga a escrever muito (e bem)?

Pois bem, não terá outra hipótese que não a de ter muito cuidado e atenção com aquilo que escreve. O uso correto da língua é uma componente fundamental no meio profissional e um descuido pode arriscar a sua reputação. E se escrever faz mesmo parte do seu dia-a-dia, então não ter consciência sobre alguns aspetos linguísticos é um risco tremendo e, muito provavelmente, um erro. 

1 - Não cometer erros ortográficos


Os erros ortográficos Os correctores ortográficos são uma ferramenta rápida, eficiente e extremamente útil.

2 - Pontuação, pontuação, pontuação



Nunca é demais insistir: a pontuação é absolutamente determinante para a leitura. Erros de pontuação podem alterar por completo a semântica de uma frase. Se há pausas, use a vírgula, sem medo. 

Simplesmente, tenha o cuidado de não separar por vírgulas elementos da frase que não podem ser separados: sobretudo, nunca separe sujeito e o verbo por pontuação. Use-as, por exemplo, em enumerações, apostos (como "por exemplo" ou quaisquer outros constituintes que sirvam para classificar ou identificar o constituinte anterior), entre outros. 

Não se esqueça do ponto final no fim de uma frase. Se esta for exclamativa ou tiver um teor mais emotivo, use o ponto de exclamação (!) e, por favor, não use pontos finais em perguntas. O ponto de interrogação (?) serve para alguma coisa e, francamente, não o utilizar é um hábito irritante. 

Antes de um diálogo ou antes de apresentar uma enumeração, use os dois pontos (:). 

3 - Não dizer dez palavras quando duas chegam

Às vezes temos a tendência para complicar e dizemos demasiadas palavras para exprimir uma ideia. A língua portuguesa é uma língua rica e dá-nos muitas ferramentas. Pare um pouco e pense se não há uma maneira mais simples de se expressar. 

4 - Frases activas em vez de frases passivas

As frases passivas são úteis quando o sujeito é nulo. Mas têm um problema: alteram a ordem de palavras. Para se exprimir de forma eficiente, escreva de acordo com aquilo que é mais habitual para quem lê. Como já aqui referimos, a ordem de palavras habitual é S V O (Sujeito - Verbo - Objeto). Nas frases passivas, o constituinte que reconhecemos como sujeito passa para uma posição final da frase, tornando-a mais difícil de ler, porque não obedece à ordem habitual. 

Além disso, nas frases passivas usamos obrigatoriamente uma perífrase verbal, isto é, o sintagma verbal é constituído por mais do que uma forma verbal. Portanto, em muitos casos, estaremos a usar palavras a mais para aquilo de que precisamos.

Afinal, para quê dizer "A escultura foi feita pelo João" se podemos simplesmente dizer "O João fez a escultura"?

5 - Frases afirmativas em vez de frases negativas



A menos que o propósito seja mesmo reforçar a negatividade ou a negação da verdade de uma proposição qualquer, use frases afirmativas. São sempre mais fáceis de ler e são mais assertivas (e, mais uma vez, à partida serão mais curtas do que frases que incluem uma negação). 
6 - Não cometer erros gramaticais

De erros gramaticais temos falado desde que este blogue foi criado. Já percebemos que há erros mais graves do que outros, ou mais detetáveis do que outros. Este ponto não pode ser explanado aqui, porque a gramática tem uma dimensão quase infinita, e seria impossível apontar aqui todos os erros gramaticais passíveis de serem cometidos. Mas todos nós temos conhecimento da língua para detectar erros que tornem o texto menos fluido ou mais difícil de perceber. Quando assim é, é possível que haja alguns erros gramaticais. É uma questão de ter atenção e, claro, de ir lendo sempre que possível o Estudar a Língua, que o pode ajudar em muitas questões. 

7 - Saber quando hifenizar



Se algum dia alguém lê um texto seu e apanha algo como "fize-mos", diga adeus à sua reputação: quem o leu vai achar que não sabe escrever português. A conjugação dos verbos dá-se no ensino primário. Se cometer erros de primária, vão achar que a sua formação acabou aí ou que, durante o resto da sua formação, andou a dormir em vez de aprender e de estar atento. O hífen serve para "integrar" certas formas pronominais numa forma verbal. Leia mais sobre isto aqui e aqui.

8 - Não complicar

Em alguns dos pontos anteriores já explorámos um pouco esta ideia. A simplicidade é a maior arma para a eficiência. Quando escrevemos, temos um dado leitor e uma dada mensagem. A mensagem que está na nossa mente tem de passar para palavras escritas. Isso nem sempre é fácil: por vezes não encontramos a palavra certa e acabamos por complicar com demasiadas explicações e "rodriguinhos". Os textos não precisam de muitos ornamentos: deixe isso para as grandes obras literárias. Os ornamentos servem para quem tem um domínio profundo da língua, mas não se deixe enganar: são poucos os que o têm, e mesmo esses, muitas vezes, preferem simplificar para passarem eficazmente a sua mensagem.



9 - Usar devidamente a acentuação



O português tem acentos. Quem não gosta, tem de se habituar. Se não acentuar as palavras como deve ser, vai passar por preguiçoso, porque não se deu ao trabalho de colocar o acento onde devia. Sublinhe-se: onde devia; não ponha acentos no sítio errado. 

Lembre-se: há três tipos de acentuação em português. Há as palavras agudas, cuja sílaba tónica é a última (a-qui). Há as palavras graves, que são uma maioria, e cuja sílaba tónica é a penúltima (bo-la). E há, finalmente, as palavras esdrúxulas, cuja sílaba tónica é a antepenúltima (re-mé-di-o). 

Estas últimas são menos frequentes e são quase sempre acentuadas, seja por acento agudo ( ´ ) ou por acento circunflexo ( ^ ). 

Não existem palavras com dois acentos (a menos que um deles seja o sinal de anasalação, mais conhecido como til ( ~ )). 

Há ainda o acento grave. O acento grave só se usa nas seguintes palavras: à, àquilo, àquele/a/es/as. Este acento surge apenas quando há uma contração da preposição a com os determinantes a, as, aquilo, aquele, aquela, aqueles e aquelas

Dê lá por onde der, nunca confunda o acento agudo com o acento grave. Sobretudo, não confunda à com . Isso demonstra, no mínimo, falta de concentração. Na pior das hipóteses, mais uma vez, pode fazer com que o seu leitor pense que não sabe escrever, porque é outra vez um erro primário e grave. 


10 - Fazer uma revisão
Pode perder algum tempo, mas é um trabalho muito valioso. É subvalorizado, porque as pessoas andam sempre com pressa, sobretudo no meio profissional, mas uma boa revisão pode fazer a diferença. 
Às vezes cometemos erros irrelevantes, pequenas gralhas. Basta clicarmos na tecla ao lado daquela em que queremos mesmo carregar. Uma revisão permite-nos corrigir estes e outros erros e permite-nos perceber se em algum ponto do texto nos perdemos numa frase demasiado longa ou que ficou incompleta.  
A verdade é que o processo de revisão é quase tão importante como o da escrita, porque é da revisão que deve sair o produto final.


Se cumprir todas estas dicas, pode ter a certeza de que terá um produto final cuidado e credível. Não se esqueça: o Estudar a Língua está cá para esclarecer todas as dúvidas que possam surgir, sobretudo ao nível gramatical. E havemos de retomar este tema, para vos mostrar erros muito comuns na escrita que tem de evitar. Vemo-nos em breve!

quarta-feira, 16 de março de 2016

O maior erro de todos

Foto: Shutterstock
O propósito deste espaço tem sido o de corrigir e explicar erros gramaticais comummente usados em português. Tentamos fazê-lo de uma forma relativamente simples e recorremos a publicações e autores credenciados sempre que necessário. Pois hoje, o post será um pouco diferente.

Hoje vou falar sobre o maior erro de todos. É um erro comum a muitas línguas e a muitas culturas. O português e os países que têm o português como língua oficial não são exceção. É um erro transversal aos mais jovens, ainda em idade escolar, aos adultos que estão no mercado de trabalho, aos estabelecimentos de ensino, aos governos responsáveis pelos programas de ensino.

E é um erro crasso, mas muito simples: não valorizar a língua e a gramática. As noções mais básicas de gramática são ensinadas logo na primária, mas rapidamente são abandonadas antes que sejam aprofundadas.

Questões como as funções sintáticas (o sujeito, o predicado, os objetos) ou as classes de palavras (nomes, adjetivos, advérbios, preposições) são deixadas ao abandono pelo ensino e pelo pouco interesse das crianças nesta matéria. Em vez disso, opta-se por focar todo o ensino posterior em obras literárias. Obviamente que este é um trabalho importantíssimo também, porque representa a cultura da língua. Mas não ensina necessariamente um jovem a falar nem a escrever bem.

Nas universidades, não há formação nesse sentido, a menos que se vá para um curso de linguística. Mas então? Os engenheiros não têm de escrever manuais, propostas, orçamentos? Os professores não têm de dar aulas, escrever sumários? Os CEOs de grandes empresas não têm de apresentar relatórios e contas a cada trimestre? Os alunos universitários não têm de escrever testes, trabalhos, apresentações? Os jovens acabados de entrar no mercado de trabalho não têm de escrever cartas de apresentação em candidaturas de emprego?

A verdade é tão simples quanto esta: os erros gramaticais (os mais simples, pelo menos) são fáceis de detectar por toda a gente, porque há um conhecimento interiorizado da língua. Isto é, há coisas que soam mais ou menos bem. Mas quando somos nós a fazer uso da língua, convém que saibamos o que estamos a fazer, porque falar e escrever de forma errada pode perfeitamente arruinar a nossa reputação enquanto profissionais. 


Se uma pessoa não sabe articular uma frase numa candidatura a um emprego, será que o empregador o vai escolher? Certamente que não, mesmo que não se trate de um emprego relacionado com o uso da língua. Porque o uso correto da língua é uma questão de credibilidade - uma credibilidade das mais básicas - de um profissional.

O mesmo se passa com um profissional que escreve um documento da empresa que esteja repleto de erros. Que credibilidade lhe vão dar? Nenhuma, mesmo que o conteúdo técnico esteja todo lá.

Às vezes, é até uma forma de associarmos inteligência a uma certa pessoa. Claro que não é apenas o uso correto da língua que nos faz ser mais ou menos inteligentes, mas quantas vezes não encontraram comentários do tipo "Vai aprender a falar!" ou "Volta para a escola!" em resposta a declarações com erros gramaticais diversos! Quantas vezes já não vimos as pessoas a atentarem contra a inteligência de outra que tenha escrito uma data de erros?

Ainda assim, estas questões linguísticas são tidas como "chatas", pouco apetecíveis e desinteressantes por muita gente. Mas quando é que essas pessoas estudaram a língua? Quando tinham 6, 7, 8 anos. Do que se lembram? De pouco. Então como sabem que é "chato" e desinteressante? Há quem ache mais gira a matemática. Pois bem, a linguística tem algo de matemático. Dentro das humanidades, é a ciência mais exata (quiçá a única, até). Também tem algo de lógica (outro ponto em comum com a matemática). E, para quem não sabe e desconfia que isto realmente não tem interesse algum, fiquem a saber: é bastante engraçado vermos como conseguimos aprender a desconstruir a forma como falamos, pois ficamos a perceber de onde é que isto tudo vem.

Além disso, no ensino, há sempre disciplinas que temos de saber ultrapassar para concluir um dado ciclo de estudos, não há? E se isso nos beneficiar no futuro, por que não?


sexta-feira, 11 de março de 2016

Tratam-se de muitos disparates...

Hoje vamos tratar de desconstruir... algumas construções impessoais. Como vimos recentemente (aqui e aqui), o português é uma língua com predomínio sintático do sujeito, na medida em que é ele que determina a concordância verbal.

Exceto nas construções sem sujeito, também denominadas por construções impessoais. E como sempre, estas trazem alguns problemas, algumas complicações e, infelizmente, muitos erros. Já falámos do maior deles todos, relacionado com o verbo haver.

Recapitulando esse tema, o verbo haver, por ser impessoal, nunca pode ser conjugado no plural, porque os verbos só podem estar no plural se concordarem com um sujeito igualmente plural. Ora, se não há sujeito (ou se o sujeito é impessoal), não pode haver plural. O verbo haver, no seu uso tradicional, tem apenas uma conjugação possível para o Presente (), para o Pretérito Perfeito (houve), ou para o Imperfeito (havia).

"Tratam-se"de coisas nenhumas

Isto serve para outras expressões, mesmo que envolvam verbos que normalmente se conjugam com sujeitos. Uma delas, e que induz em erro muitos falantes constantemente, é a expressão "tratar-se de".

Claro que é possível dizer frases do tipo "A Maria trata do filho" (singular)" tal como podemos dizer "Os irmãos trataram do pai" (plural). Mas nesta frase há sujeitos (A Maria e Os irmãos). Quando usamos "trata-se de", não há sujeito à esquerda do verbo.

O sujeito é, pois, indeterminado, estando o verbo na terceira pessoa do singular (que, por assim dizer, é neutra). Sublinho: terceira pessoa do singular. Sempre. Significa isto que nunca há "tratam-se de", por muito que o que vem a seguir tenha sentido plural.

- Trata-se de um negócio de muitos milhões de euros.
- Trata-se de negócios de muitos milhões de euros.
- *Tratam-se de negócios de muitos milhões de euros.

Há uma explicação para isto? Talvez... A frase não tem um sujeito gramatical, mas, uma vez mais, o português é uma língua em que o sujeito gramatical tem uma profunda importância sintática na frase. E, tal como existem construções com sujeito à direita do verbo - e com concordância entre verbo e sujeito (como em Chegaram pessoas.) -, é possível que alguns falantes assumam a expressão nominal de sentido plural a seguir ao trata-se de como o sujeito lógico da frase. E daí fazerem a concordância com o verbo.

O português, devo dizer, permite outros tipos de construções impessoais. Mas isso fica para depois...





terça-feira, 8 de março de 2016

Que são estes verbos no plural?

Hoje vamos continuar a estudar questões problemáticas sobre concordância verbal. Na semana passada vimos que a concordância verbal se faz entre o sujeito e o verbo, porque o português é uma língua cuja sintaxe é dominada pelo sujeito - mesmo quando o sujeito é nulo (ou seja, quando não é expresso foneticamente).

Hoje vamos perceber que há certos casos em que isso não acontece. Para isso temos de recuar um pouco até às funções sintáticas. Já falámos no sujeito, que é o argumento externo, e no predicado e nos seus argumentos internos, que tanto podem ser objeto direto, indireto ou complemento oblíquo (quando é iniciado por preposições).

Ora, quando temos verbos do tipo ser, parecer, continuar, estar, ficar, etc., o argumento interno do verbo chama-se o predicativo do sujeito, porque está a conferir uma propriedade qualquer ao sujeito. Seja lá o que for, se estiver precedido do verbo ser, está a predicar o sujeito de alguma coisa.

- Os alunos são inteligentes.
- Eles parecem boas pessoas

Uma nota: o predicativo do sujeito não aparece apenas com o verbo ser; mas o verbo ser seleciona sempre um predicativo do sujeito. 

Então, há alguns casos em que, com o verbo ser, a concordância não se faz com o sujeito, mas sim com o predicativo do sujeito.

1 - Se o sujeito for aquilo, isto, nada, tudo, geralmente seguido de uma oração relativa restritiva.

- Aquilo que sempre quiseste foram férias na praia.
- Aquilo que sempre quiseste foi um cão.

2 - Em frases interrogativas, começadas por pronomes interrogativos como quem ou que.

- Quem são estas pessoas?

3 - Se o sujeito não se referir a pessoas, a concordância pode ser feita com o predicativo do sujeito: 

- O meu orgulho são os meus filhos.
[Reparem na agramaticalidade na concordância com o sujeito: 
*O meu orgulho é os meus filhos.]

4 - Com nomes de sentido coletivo.

- A maioria são mulheres
[Novamente:
*A maioria é mulheres.
Sobre esta frase, claro que é possível reestruturar esta frase de modo a ter concordância com o sujeito, até porque a expressão a maioria é tipicamente conjugada no singular, como já vimos noutro post, mas aí já não é bem o predicativo do sujeito. Veja-se:
- A maioria é composta por mulheres]

Tudo uma questão de medida

5 - Ainda no escopo do verbo ser, lembram-se de vos ter dito (no mesmo post no link imediatamente acima) que se o sujeito indicar uma quantidade ou uma medida, é essa medida que determina se o verbo está conjugado no plural ou no singular? Pois, como é costume, há uma exceção de que não falámos na altura.

Então, o exemplo que dei nesse post foi:

- Um litro de leite custa 1 euro.
- Dois litros de leite custam 1 euro. 

No entanto, a concordância não se faz com o sujeito se a seguir ao verbo estiverem expressões como muito, pouco, menos de, mais de, etc, porque, de uma maneira geral, esses advérbios de quantidade funcionam como predicativo do sujeito.

- Dois quilos de farinha é muito/pouco/demais.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Português à moda do Yoda, isto é.

- A Maria comeu a maçã.
- *A maçã a Maria comeu.

Qual destas vos parece correta? A primeira, não? Há uma razão: a ordem de palavras do português. Para explicar mais sobre a ordem de palavras é preciso compreender a base da sintaxe, i.e., as relações gramaticais.

Ora, diz a Gramática da Língua Portuguesa (2003) que uma oração/frase tem como domínio uma predicação; e que a predicação é constituída, tipicamente, por dois constituintes: o predicado e o sujeito. No predicado incluem-se "o predicador" e os seus argumentos internos. O sujeito é o argumento externo do predicado. No português, a maioria dos predicados são verbais, mas não se pense que o predicado é o verbo apenas.

Um predicado verbal é constituído pelo verbo, sim, mas também pelos seus argumentos ou complementos.

- A Maria [SU] deu uma maçã [OD] à filha [OI].

Adiante. Diz a mesma Gramática que o português "é uma língua de proeminência de sujeito". O que é que isto quer dizer? Quer dizer que, de um ponto de vista gramatical, é o sujeito que determina a concordância verbal. Veja-se:

- A Maria comeu maçãs. (SU na 3ª pessoa do singular, verbo conjugado na 3ª pessoa do singular - gramatical)
- *A Maria comeram maçãs. (SU na 3ª pessoa do singular, verbo conjugado na 3ª pessoa do plural, a concordar com o objeto direto - agramatical)

Por estas razões, em português, em frases declarativas, o sujeito surge tipicamente na "primeira posição argumental" da frase. Segue-se, então, o predicado. E aqui temos a ordem de palavras básica da nossa língua:

S V O [Sujeito - Verbo - Objeto]

No entanto, é perfeitamente possível dizer algo como:

- Comi sushi ao jantar.

Onde está o sujeito? Simples. O sujeito está na sua posição natural, à esquerda do predicado. É possível percebermos isso porque o verbo está conjugado de forma a concordar com o sujeito, na 1ª pessoa do singular. O sujeito é o pronome "eu", simplesmente é nulo foneticamente. O português é, então, uma língua sintaticamente dominada pelo sujeito, mas que permite sujeitos nulos - algo que não é possível, por exemplo, em inglês. Significa que, mesmo que o sujeito não apareça na frase, a sua posição sintática está sempre representada.

Quando S V O não é S V O

Como é habitual, a língua portuguesa enche-nos de exceções e de casos em que a ordem básica não se aplica.

Tipicamente, refere ainda a Gramática da Língua Portuguesa, "à estrutura sintáctica sujeito-predicado corresponde a estrutura temática tópico-comentário". Assim, numa frase como "A Maria comeu uma maçã", A Maria é sujeito e tópico; comeu uma maçã é o predicado e o comentário acerca da Maria. De um ponto de vista semântico, chamamos a este tipo de frases predicações, porque estamos a fazer um "juízo categórico" sobre alguma coisa (e essa alguma coisa é o constituinte representado pelo sujeito).

Quando o sujeito e o tópico correspondem, estamos a falar de tópicos não-marcados. Com topicalização não-marcada, o padrão de ordem de palavras é S V O (os exemplos doravante apresentados são retirados da Gramática da Língua Portuguesa).

- A que é que todos os alunos reagiram mal?
  Todos os alunos [TOP/SU] reagiram mal ao teste.

Mas nem sempre há uma correspondência entre tópico e sujeito. Quando assim é, falamos de tópicos marcados e estes sim, podem causar uma alteração na ordem de palavras.

- A quem é que o Pedro ofereceu esse livro?
  Esse livro [TOP], o Pedro [SU] ofereceu(-o) à Ana.*

Nesta frase, temos uma ordem O S V O (o segundo objeto, à direita do verbo, deve-se ao facto de o verbo oferecer ter dois argumentos - oferecer o quê [OD] a quem [OI]).

Mesmo sem questões de topicalização, o português também permite uma ordem V O S, em frases do tipo:

- Quem comeu o bolo?
  Comeu-o o João [SU].

O exemplo que inicia este post pode entrar nesta categoria, se considerarmos a maçã como tópico e a Maria como sujeito (no entanto, sem pontuação, essa leitura pode ser altamente ambígua).

- A Maria [TOP/SU] comeu a maçã.
- A maçã [TOP], a Maria [SU] comeu(-a).

Há ainda outros contextos a considerar. Quando a frase "apresenta informação nova no contexto das perguntas", mesmo sem topicalização, é possível ter diferentes padrões de ordens de palavras.

Quando temos verbos inacusativos, que são verbos que não têm argumentos internos, podemos ter a ordem V S.

- O que aconteceu?
  Chegaram os meus sobrinhos.

As ordens V S O e V [O] S também são possíveis.

- Quem comeu o quê?
  Comeram os miúdos o bolo.
- Quem comeu o bolo?
  Comeram [o bolo] os miúdos.

Esta pequena lição à moda do Yoda (para quem não sabe, é a personagem do Star Wars que fala quase sempre com a ordem V S O, que, diga-se, não é a ordem de palavras básica do inglês) terá continuidade nos próximos dias, já que da ordem de palavras ainda derivam mais alguns problemas nos falantes. Fiquem atentos.





Sondagem sobre o Acordo Ortográfico: a favor ou contra?

Foto: sol.pt
Maria Helena Mateus falou ao Estudar a Língua sobre o Acordo Ortográfico. Queremos agora conhecer a opinião dos leitores.

- São a favor ou contra o AO de 1990 e porquê?

Deixem os vossos comentários!

terça-feira, 1 de março de 2016

Maria Helena Mateus: "Unificação ortográfica não tem como finalidade diminuir diferenças entre PE e PB"

Maria Helena Mira Mateus, professora catedrática jubilada pela Universidade de Lisboa, é um dos nomes de referência da linguística em Portugal. Coautora da Gramática da Língua Portuguesa (2003), dá agora continuidade ao ciclo de entrevistas do Estudar a Língua, abordando um dos assuntos mais discutidos nos últimos anos: o Acordo Ortográfico. E chama ainda a atenção para aspetos fundamentais da língua que são "descuidados" nos programas de ensino.


Foto: Ciberdúvidas
O Ministério da Educação do Brasil está a estudar medidas para retirar a literatura portuguesa do ensino. Que consequências a longo prazo poderiam ter tais medidas para a língua portuguesa e para uma maior unicidade da língua entre Portugal e o Brasil?
Não vejo que manter ou retirar o caráter obrigatório do ensino da literatura portuguesa tenha qualquer influência na manutenção das diferenças existentes entre as variedades do português europeu e do português brasileiro. O uso quotidiano da língua ultrapassa imensamente a influência que pode advir do conhecimento de textos literários. É evidente por outro lado que, ao retirar do ensino a obrigação de incluir alguns módulos sobre a literatura portuguesa, se diminui o já pouco conhecimento que existe no Brasil sobre épocas e características dessa literatura, ficando entregue aos professores a decisão de ensinarem aspetos desse tema de acordo com os seus interesses pessoais. Tendo em conta que o ensino de autores portugueses não tem apenas como objetivo discutir aspetos linguísticos, penso que se deve fazer sobressair neste ensino os aspetos culturais que a literatura sempre transmite. Julgo também necessário que se dê lugar a outras variedades do português como as variedades faladas em África, por exemplo. E por fim acho fundamental que a literatura produzida em língua portuguesa, de qualquer das variedades, seja objeto de meios de comunicação e de formas de apresentação ao público estimulantes e esclarecedoras.


Estaremos a caminhar para uma divisão, além da já existente divisão dialectal, entre o português do Brasil e o português europeu? Há algum papel do AO nesse caminho?
A preocupação do AO em unificar a escrita entre as variedades da língua portuguesa tem um objetivo relevante para a expansão do livro e de outros meios em que a grafia da língua seja necessária, e tem uma concretização económica não despicienda. Trata-se apenas de uma unificação ortográfica que não tem como finalidade diminuir as diferenças entre português brasileiro e português europeu (ou entre outras formas de falar português nos países que pertencem à CPLP), diferenças que são evidentes na oralidade da língua. A manutenção das variedades no âmbito de uma certa língua (como o português, o inglês, o francês ou outras línguas que foram “exportadas” no processo de colonização) é uma opção política e representa para os cidadãos de vários países o interesse de estarem integrados numa vasta área que tem em comum a língua em que falam e em que escrevem. É evidente, por outro lado, que estas variedades exibem, no plano interno de cada uma, algumas diferenças que correspondem a grupos geográficos ou sociais e que se denominam dialetos, o que só reforça o conceito de que a variação das línguas é universal e se processa no tempo, resultando de vários fatores, sobretudo do contacto entre línguas.

Falando do AO, já se cumpriram seis anos desde a sua implementação, mas muitos falantes ainda não o aceitaram. Há consequências possíveis para a língua (como por exemplo, haver ortografias diferentes entre diferentes facções da sociedade)? 
As diferenças que vão alterando uma língua em consequência da sua utilização pelos falantes só em casos muito excecionais estão relacionadas com mudanças da grafia. A ortografia de uma língua é estabelecida de forma convencional e representa a normalização da escrita; é decidida geralmente no seio das academias de letras ou de ciências e não altera a pronúncia; é portanto sempre secundária em relação à oralidade. Na língua portuguesa, uma das primeiras reformas ortográficas data de 1911. Foi com esta reforma que se decidiu suprimir o <h> que se associava a consoantes em certas palavras como “pharmacia" representando uma aspiração que já não era sentida na língua oral. O primeiro acordo ortográfico entre Portugal e Brasil data de 1931 e aí se propunha a eliminação das consoantes “mudas” que fazem parte do novo acordo de 1990. Tendo presente o caráter convencional da ortografia, ela tem possibilidade de integrar alterações que correspondem a mudanças da língua provocadas pelo uso. Evidentemente, não se trata de transmitir a intervalos breves as alterações que se manifestam na oralidade e por isso a ortografia mantém sempre um caráter conservador. Quando as entidades próprias consideram que existem suficientes razões para se alterarem certos aspetos obsoletos de uma ortografia, a mudança deve ser transmitida na escola e na documentação oficial, e passar a integrar a norma. Na escrita individual, sem caráter oficial ou escolar a ortografia antiga pode ser mantida sem consequências visto que as mudanças não alteram a pronúncia da língua.  

"Sintaxe e semântica são muito descuidadas na 
escola"

Como vê a situação da linguística no ensino da língua e que soluções propõe para termos uma sociedade mais “atraída” para as questões da língua?

Ao contrário do que se julga, as pessoas são atraídas pelas questões da língua, e preocupam-se sobretudo com as pronúncias “corretas” e com as normas de dialetos ou de variedades, exercendo sempre juízos de valor e até julgamentos morais. O que afasta as pessoas é a coincidência entre o estudo da língua e os estudos teóricos ou científicos, ou até simplesmente gramaticais, desligados da aplicação prática. Há poucos estudos sobre as infrações na sintaxe ou na semântica que sirvam para demonstrar que essas infrações têm consequências graves, perigosas ou simplesmente risíveis. E no entanto, essas áreas são muito descuidadas na escola em benefício dos “erros ortográficos” porque estes são o que mais facilmente se pode corrigir sem possibilidade de discussão.


Maria Helena Mateus escreveu recentemente um artigo sobre o Acordo Ortográfico no jornal Público. Podem lê-lo aqui.