terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Não, a gente não vamos...

Hoje trago-vos um assunto bem mais problemático do que possa parecer: a concordância entre o sujeito e o verbo. Todos se lembram do que é o sujeito, certo? O sujeito é o argumento da frase que, no fundo, tem a "função de tópico da frase" e é ele que "desencadeia a concordância verbal" (Gramática da Língua Portuguesa de Mateus et alii, 2003). Quer isto dizer que o sujeito obriga o verbo a concordar com ele em pessoa e em número. 

Então, quando dizemos "O João comeu a maçã", o sujeito é "O João" - em jeito de curiosidade, deixem-me dizer-vos que esta é a frase-padrão para qualquer linguista que queira explicar algum fenómeno básico em frases simples. 

Parece simples, mas há sujeitos (gramaticais) que gostam de complicar e que têm a mania de nos confundir. Numa frase declarativa simples, o sujeito da frase é normalmente constituído por um sintagma (essencialmente, um grupo de palavras) em que o núcleo é um nome - atenção, o sujeito não é constituído obrigatoriamente apenas por um sintagma nominal. 

Reparem no título: o sujeito da frase é "a gente". Ora vejamos algumas das coisas que diz o dicionário Priberam sobre o nome "gente".


1. Conjunto indeterminado de pessoas.
2. Conjunto dos habitantes de um territóriopaís. = POPULAÇÃOPOVO


"gente", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/gente [consultado em 02-02-2016].

Sublinhe-se: conjunto! A gente é um sintagma nominal composto por uma palavra no singular mas que tem um sentido plural. "A gente", na nossa cabeça, constitui um grupo, um coletivo. E, portanto, há muita gente que faz a concordância com o verbo no plural e que diz coisas do tipo "a gente vamos". Errado! "A gente não vamos" a lado nenhum, porque o sujeito está no singular. Isto tanto é válido para o português europeu como o português do Brasil. "A gente vai". Singular. Sempre. 

Há uma possível explicação para este erro. Como bem sabemos, no Brasil é muito comum utilizar a expressão "a gente" em substituição do pronome pessoal "nós", que é plural. Curiosamente, não me recordo de ouvir um brasileiro a fazer a concordância de forma errada - por isso mesmo, até perguntei a uma falante nativa, que me confirmou que, por terras de Vera Cruz, "a gente vamos" é coisa que não se ouve. Em Portugal, o cenário muda um pouco de figura, sobretudo quando estamos perante um registo oral ou coloquial. 

Então, resumindo, se o sintagma nominal estiver no singular, o verbo também tem de estar, mesmo que, lógica e semanticamente, a frase seja plural. Há que referir que nem todos os gramáticos pensam desta forma. Se a expressão "a gente vamos" é quase unanimemente considerada agramatical, o mesmo não acontece com a expressão "a maioria", que tem um valor semelhante: é um nome que está formalmente no singular mas com sentido plural. 

Há uma diferença. Quando utilizamos "a maioria", normalmente é a maioria de alguma coisa. E essa "alguma coisa" normalmente está no plural - pode até nem estar expressa na frase, mas vamos lá sempre dar pelo contexto. Vejam este título que encontrei na blogosfera: "(...) a maioria dos políticos que vão parar ao poder são umas nódoas...". Isto não parece tão errado como "a gente vamos" porque o plural está ali, à vista de todos. Mas o sujeito não é "os políticos"; é "a maioria dos políticos". E "a maioria" é que é o núcleo do sintagma nominal. 

Na verdade, expressões como "a maioria de", "um grupo de", "uma porção de", são consideradas por Brito (na Gramática da Língua Portuguesa, 2003) como "expressões quantitativas vagas". Se as expressões quantitativas, de natureza nominal, forem precisas, o número da expressão quantitativa é que determina a concordância (exemplo: "um litro de leite custa; dois litros de leite custam). Pelo contrário, como expressões do tipo "a maioria de" são imprecisas, pode pôr-se a hipótese - marginal - de se fazer a concordância com o elemento que é quantificado (na expressão "a maioria dos políticos", o elemento quantificado é "os políticos). 

Mas sublinho: esta hipótese é marginal. Continua a ser sempre preferível fazer a concordância verbal no singular, para que o verbo concorde com o núcleo do sintagma nominal que compõe o sujeito. 



2 comentários:

  1. Conclui que na frase indicada, seria melhor escrever: " a maioria dos políticos que vai", certo?

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    1. Exatamente. Tal como escrevi, "a maioria" é que é o núcleo do constituinte composto por "a maioria dos políticos". E o verbo deve, em regra, concordar com esse núcleo. :)

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