quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

A posição e a forma dos clíticos, explicá-los-emos como deve ser!

Hoje vamos continuar com o tema dos clíticos. Na semana passada disse-vos que o pronome átono, ou clítico, pode estar antes ou depois do verbo.

Na verdade, não vos contei tudo. O clítico pode também encontrar-se no "interior" do item lexical de que depende. Quando isso acontece, temos um caso de mesóclise (Gramática da Língua Portuguesa, 2003, de Mateus et alii).

A mesóclise só surge, contudo, quando as formas verbais estão no futuro ou no condicional. Ora vamos lá exemplificar. Quantas vezes já não ouviram coisas do tipo:

- *Esses brinquedos venderiam-se na loja.
- *Eu darei-lhe um presente no aniversário.

Disparate. Disparate. Se estas duas frases estivessem no Presente do Indicativo, por exemplo, estariam bem com a estrutura apresentada (de ênclise). Vejamos:

- Esses brinquedos vendem-se na loja.
- Eu dou-lhe um presente no aniversário.

Mas quando temos um tempo futuro ou um condicional, temos de, no fundo, partir o verbo em dois: para um lado, a raiz do verbo (vender ou dar); para o outro, a conjugação conforme a pessoa e o tempo verbal (iam ou ei, por exemplo). E no meio, com hifenização, colocamos o clítico.

- Esses brinquedos vender-se-iam na loja.
- Eu dar-lhe-ia um brinquedo no aniversário.

Os nomes (próclise, ênclise, mesóclise) podem assustar, mas na verdade não é assim tão difícil, pois não? Façamos um breve resumo: em português europeu, a tendência é para termos ênclise, ou seja, o clítico vem depois do verbo. Certos fenómenos, como escrevi no post anterior, "forçam" a mudança do clítico para uma posição antes do verbo, ou seja, em próclise. Se tivermos o verbo no futuro ou no condicional, temos sempre mesóclise: o verbo "separa-se" e o clítico vem no meio, entre hífens.

Antes de passarmos à próxima questão, deixo-vos apenas uma curiosidade, que a Gramática da Língua Portuguesa refere: a mesóclise é um dos "traços de uma gramática antiga", que o português moderno mantém ainda hoje. Como essa gramática antiga está em "claro desaparecimento", já há alguns exemplos de variações entre ênclise e mesóclise, sobretudo com formas verbais irregulares. Mas estas variações, refere a Gramática, provêm sobretudo das gerações mais novas ou falantes de "variedades populares" do português.

Por isso, e a bem da correcção e do bom português, usem a mesóclise e ensinem-na aos vossos filhos!


Tu comes-i-o, tu come-o, tu come-lo.

E quando o clítico em ênclise soa mal, muito mal, como em dois dos casos referidos no subtítulo acima? Vamos por partes. No subtítulo uso o verbo comer, no Presente do Indicativo, na segunda pessoa. Ora como se conjuga o verbo comer?

- Eu como, tu comes, ele come, etc.

Se juntarmos um objeto direto ao verbo comer, imaginemos, um bolo, dizemos: tu comes um bolo. E se, em vez de um bolo, estiver um clítico em posição normal de ênclise? À partida, a regra manda que se hifenize, simplesmente, os pronomes o/a/os/as, ao verbo conjugado no tempo e na pessoa certos. O que dá qualquer coisa como *tu comes-o. E como isto soa tão mal que qualquer pessoa estranha, há quem junte ali um i e se saia com um *tu comes-i-o. O que, obviamente, também não pode ser.

Então, o que se faz? Uma vez mais, a Gramática da Língua Portuguesa explica muito bem: "quando a forma verbal termina em /s/ ou /r/", dá-se o "desaparecimento destes elementos" e o clítico "assume a forma lo(s)/la(s). Neste caso, com o verbo comer, que na segunda pessoa termina em /s/, o /s/ cai e o clítico passa a lo: tu come-lo.

Com um verbo como fazer, cai toda a última sílaba: tu fazes um bolo passa a tu fá-lo (e não tu fazes-lo). Diz ainda a Gramática: "quando a forma verbal termina em nasal" - ou seja, em /m/ ou /n/ -, o clítico assume as formas no(s)/na(s). Ou seja:

- O João tem um martelo.
- O João tem-no. (e não *tem-lo)

E se agora juntarmos os dois tópicos deste post? Isto é, se juntarmos a mesóclise a esta regra de formação de formas verbais com clíticos? Vejamos como é:

- O João construirá uma casa (acaba em /r/).
- O João construi-la-á. (cai o /r/, separa-se o verbo e o clítico ganha a forma /la/)
- O Rui fará um exame amanhã.
- O Rui fa-lo-á.

Sem comentários:

Enviar um comentário