- A Maria comeu a maçã.
- *A maçã a Maria comeu.
Qual destas vos parece correta? A primeira, não? Há uma razão: a ordem de palavras do português. Para explicar mais sobre a ordem de palavras é preciso compreender a base da sintaxe, i.e., as relações gramaticais.
Ora, diz a Gramática da Língua Portuguesa (2003) que uma oração/frase tem como domínio uma predicação; e que a predicação é constituída, tipicamente, por dois constituintes: o predicado e o sujeito. No predicado incluem-se "o predicador" e os seus argumentos internos. O sujeito é o argumento externo do predicado. No português, a maioria dos predicados são verbais, mas não se pense que o predicado é o verbo apenas.
Um predicado verbal é constituído pelo verbo, sim, mas também pelos seus argumentos ou complementos.
- A Maria [SU] deu uma maçã [OD] à filha [OI].
Adiante. Diz a mesma Gramática que o português "é uma língua de proeminência de sujeito". O que é que isto quer dizer? Quer dizer que, de um ponto de vista gramatical, é o sujeito que determina a concordância verbal. Veja-se:
- A Maria comeu maçãs. (SU na 3ª pessoa do singular, verbo conjugado na 3ª pessoa do singular - gramatical)
- *A Maria comeram maçãs. (SU na 3ª pessoa do singular, verbo conjugado na 3ª pessoa do plural, a concordar com o objeto direto - agramatical)
Por estas razões, em português, em frases declarativas, o sujeito surge tipicamente na "primeira posição argumental" da frase. Segue-se, então, o predicado. E aqui temos a ordem de palavras básica da nossa língua:
S V O [Sujeito - Verbo - Objeto]
No entanto, é perfeitamente possível dizer algo como:
- Comi sushi ao jantar.
Onde está o sujeito? Simples. O sujeito está na sua posição natural, à esquerda do predicado. É possível percebermos isso porque o verbo está conjugado de forma a concordar com o sujeito, na 1ª pessoa do singular. O sujeito é o pronome "eu", simplesmente é nulo foneticamente. O português é, então, uma língua sintaticamente dominada pelo sujeito, mas que permite sujeitos nulos - algo que não é possível, por exemplo, em inglês. Significa que, mesmo que o sujeito não apareça na frase, a sua posição sintática está sempre representada.
Quando S V O não é S V O
Como é habitual, a língua portuguesa enche-nos de exceções e de casos em que a ordem básica não se aplica.
Tipicamente, refere ainda a Gramática da Língua Portuguesa, "à estrutura sintáctica sujeito-predicado corresponde a estrutura temática tópico-comentário". Assim, numa frase como "A Maria comeu uma maçã", A Maria é sujeito e tópico; comeu uma maçã é o predicado e o comentário acerca da Maria. De um ponto de vista semântico, chamamos a este tipo de frases predicações, porque estamos a fazer um "juízo categórico" sobre alguma coisa (e essa alguma coisa é o constituinte representado pelo sujeito).
Quando o sujeito e o tópico correspondem, estamos a falar de tópicos não-marcados. Com topicalização não-marcada, o padrão de ordem de palavras é S V O (os exemplos doravante apresentados são retirados da Gramática da Língua Portuguesa).
- A que é que todos os alunos reagiram mal?
Todos os alunos [TOP/SU] reagiram mal ao teste.
Mas nem sempre há uma correspondência entre tópico e sujeito. Quando assim é, falamos de tópicos marcados e estes sim, podem causar uma alteração na ordem de palavras.
- A quem é que o Pedro ofereceu esse livro?
Esse livro [TOP], o Pedro [SU] ofereceu(-o) à Ana.*
Nesta frase, temos uma ordem O S V O (o segundo objeto, à direita do verbo, deve-se ao facto de o verbo oferecer ter dois argumentos - oferecer o quê [OD] a quem [OI]).
Mesmo sem questões de topicalização, o português também permite uma ordem V O S, em frases do tipo:
- Quem comeu o bolo?
Comeu-o o João [SU].
O exemplo que inicia este post pode entrar nesta categoria, se considerarmos a maçã como tópico e a Maria como sujeito (no entanto, sem pontuação, essa leitura pode ser altamente ambígua).
- A Maria [TOP/SU] comeu a maçã.
- A maçã [TOP], a Maria [SU] comeu(-a).
Há ainda outros contextos a considerar. Quando a frase "apresenta informação nova no contexto das perguntas", mesmo sem topicalização, é possível ter diferentes padrões de ordens de palavras.
Quando temos verbos inacusativos, que são verbos que não têm argumentos internos, podemos ter a ordem V S.
- O que aconteceu?
Chegaram os meus sobrinhos.
As ordens V S O e V [O] S também são possíveis.
- Quem comeu o quê?
Comeram os miúdos o bolo.
- Quem comeu o bolo?
Comeram [o bolo] os miúdos.
Esta pequena lição à moda do Yoda (para quem não sabe, é a personagem do Star Wars que fala quase sempre com a ordem V S O, que, diga-se, não é a ordem de palavras básica do inglês) terá continuidade nos próximos dias, já que da ordem de palavras ainda derivam mais alguns problemas nos falantes. Fiquem atentos.
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